01/11/2013

Viver é paradoxal

A vida é um processo comandado pelo gene egoísta que é, por natureza, selvagem. Tudo que ele quer é garantir a sobrevivência e a expansão da espécie, ainda que à custa do espécime.

O problema é que nós somos os espécimes.

Achamos que, seres conscientes que somos, temos nosso livre arbítrio para decidir viver como quisermos, entretanto não é bem assim, somos reféns do nosso gene. Nossa liberdade vai até os limites do que ele nos permite e esse condicionamento aflora através de nossas ‘qualidades’ e ‘defeitos’[1].

Nossos ideais de igualdade, justiça, paz etc., infelizmente não são naturais, são fruto da nossa necessidade de colocar tudo sob o nosso 'domus'. Tentamos domesticar o bicho para acomodá-lo sob nossas necessidades como indivíduos, não como espécie.

Daí vivermos sempre às voltas com o paradoxal, com situações aparentemente ilógicas ou, pelo menos, difíceis de aceitar.

Tenho um amigo que serve como exemplo desse tipo de comportamento paradoxal.

Nos conhecemos na faculdade, inclusive morou comigo na mesma república e depois de formados foi meu sócio em um pequeno negócio. Apesar de nossa amizade que era e ainda é bem real, eu sempre senti uma grande dificuldade para lidar com ele, principalmente em se tratando de assuntos profissionais.

Era o que se pode chamar de ‘genioso’, por vezes dava vontade de desistir da discussão devido à grande resistência que ele tinha de aceitar argumentos contrários à sua ideia. Por outro lado era ‘genial’, tinha uma inteligência brilhante e uma capacidade de trabalho inacreditável.

Coloquei as palavras “genioso’ e ‘genial’ para destacar que costumamos exprimir esse tipo de caráter através de ideias ligadas ao ‘gene’, inclusive dizemos ‘pessoa de gênio assim, gênio assado.

Nos meus muitos anos de convivência com ele cheguei à conclusão que os dois aspectos, o positivo e o negativo, da personalidade dele, eram duas faces da mesma moeda, anulando uma a outra se anularia ao mesmo tempo.

Existem casos em que isso ocorre: uma pessoa se sente pressionada a coibir certos impulsos e se tornar menos agressiva e acaba por se tornar uma pessoa apática, sem vontade.

Assistindo a série The Borgias pude acompanhar uma interpretação cinematográfica da história do renascimento na Europa.

Nesse período, século XV, existiu um personagem, no caso o papa Alexandre VI (Rodrigo Lanzol Borgia), extremamente contraditório. Por um lado um líder inescrupuloso que fazia tudo pelo poder, por outro o responsável pelas mudanças mais importantes no mundo ocidental, patrocinando o início do renascimento.

O fato é que os gênios são aqueles que sabem sintonizar a sua intuição, conectar-se com ela perfeitamente, e a intuição está em um nível quase diretamente ligado ao ‘bicho’, ao selvagem. Entretanto continuam sendo seres sociais e preservando certas ‘qualidades’ relativas à convivência, à vida cotidiana, daí o comportamento aparentemente ‘esquizofrênico’ das pessoas geniais.

Viver é manter Yin e Yang em equilíbrio instável. É como andar: quase cair e se recuperar sucessivamente.

Nada tem sentido e cada um precisa encontrar um sentido para si! Estabelecer um equilíbrio, ainda que instável, entre a falta de sentido, o ceticismo e a fé, a busca de “um” sentido para nossa vida.

Ceticismo e Fé convivendo, não em harmonia, mas em permanente disputa, confrontação e, principalmente, discussão.


Mais uma vez a questão do global e do local: uma apenas para filosofar, a outra para viver.
                   O frio é elegante, sóbrio, distinto, silencioso, meditativo, sério, nostálgico, solitário...
O calor é... escrachado!!




[1] Vale a pena relembrar que qualidade e defeito, principalmente se referidas ao caráter humano, não são opostos. De fato, o que chamamos ‘defeito’ nada mais é do que um desequilíbrio entre nossas qualidades ou uma ‘qualidade’ exacerbada. Ex.: Egoísmo é excesso de amor próprio; Vaidade é excesso de autoaceitação etc.

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