28/07/2018


Os processos de doutrinação são conhecidos desde o surgimento do Sapiens, talvez 200.000 anos atrás, quando o primeiro indivíduo de uma espécie animal conseguiu controlar a imaginação de um grupo de companheiros à distância, sem a necessidade sequer de conhecer os indivíduos desse grupo. Isso se deu pela criação do mito, o elemento de controle mais efetivo já inventado.

Estava eu relembrando o livro Pequenos Deuses (Terry Pratchett) e me ocorreu que, assim como as coisas materiais, duas ideias não podem ocupar o mesmo lugar na mente humana.

O típico doutrinado, seja por uma seita religiosa, seja por uma seita política, ou mesmo científica – sim, porque as há em profusão – se caracteriza pela limitação intelectual, é como se fossem indivíduos menos dotados de capacidade crítica.

Claro que os doutrinadores, eventualmente também o são, muitos nem tem muita consciência de que estão doutrinando, mas em geral, são mais capazes que os seus seguidores, mais maquiavélicos, se podemos usar a imagem, mais inescrupulosos, e usam técnicas relativamente simples para conquistar almas incautas para sua “verdade”.

Mas o que sempre me intrigou foi o que produz legiões enormes dessas pobres almas incautas e foi aí que me veio este insight.

A mente incauta, por assim dizer, o Súcubo, como descrevi no DeMimPro6 - VolumeI, lá nos idos de 2010, é aquele que tem a mente ociosa. Lembram do ditado: Cabeça vazia é a oficina do Diabo!

O mais interessante é que essa ociosidade, esse vazio, não é tão literal, talvez seja até um pouco o contrário, quero dizer, são as mentes mais “ocupadas” as mais predispostas ao ataque de doutrinadores.

É comum verificar que pessoas muito focadas em alguma atividade, principalmente as atividades intelectuais, acabam se tornando viciadas em seu campo de pensamento e se tornam meio impermeáveis à cultura mais ampla, muitos nem mesmo tem o hábito da leitura regular e da incursão por temas que não lhe são “simpáticos”.


Essa característica é facilmente percebida em conversas com essas pessoas, onde se percebe as limitações até de vocabulário. Acabam tendo quase que um idioma próprio do seu grupo de afinidade, normalmente predominantemente de sua área de atuação.

Faço aqui uma citação de mim mesmo, em um artigo do DeMimPro6:
Cada um de nós era a média das cinco pessoas com quem passava mais tempo, conforme dizia Jim Rohn no início do século passado, agora somos o que o Facebook quiser que sejamos.Claro que não falo da instituição Facebook ou qualquer outra mídia social, mas do que elas propiciam, já que tendemos a frequentar determinados grupos nesses ambientes, mais uma vez, escolhas que normalmente não são definidas pelas nossas ideias políticas.

Citando outro comentário repetido várias vezes nos artigos desse blog, relembro a Síndrome de EstouCalmo, aquela sensação de que estamos seguros no grupo que nos acolhe... desde que não nos atrevamos a discordar.

No artigo, cuja citação lancei acima, eu relatei uma experiência que fiz em 2016, para verificar a responsividade de alguns grupos a ideias conforme ou a ideias discordantes e como se estimula ou desestimula os participantes conformando o pensamento de cada um ao pensamento do macho alfa do grupo, personagem, na maior parte das vezes, impossível de se identificar.

Relatei ainda um caso ocorrido algumas décadas atrás, no início dos jogos multiplayer online, quando meus filhos entraram em um desses jogos, em que os participantes eram, na sua maioria, americanos.

Assim que um deles fez um comentário através da interface do jogo, não sei se em português ou em um inglês meio atrapalhado, veio a resposta imediata: No Mexicans allowed!

Estes dias verifiquei consternado que nada avançamos nesse comportamento, se é que não regredimos, já que por estas bandas o sectarismo não era tão exacerbado.

Aconteceu um fato que é verdadeiramente preocupante: respondi a uma postagem no Facebook com uma crítica, imediatamente um indivíduo do grupo perguntou a outro:
Quem é?
Assim que fui devidamente identificado, a reação foi:
Ah! Então foi ele!

Isso foi feito como se eu não estivesse ali presente.

Agora, vamos imaginar que estivéssemos em um ambiente real, cara a cara, será que essa pessoa se comportaria dessa forma?
Mesmo que tivesse coragem de se manifestar, seguramente seria através de cochichos sorrateiros, toda acovardada pela perspectiva de um eventual confronto.


Infelizmente esses ambientes virtuais incentivam exatamente a covardia, como a do garoto, possivelmente americano, que não tolerava “mexicanos” e, agora, desse personagem, infelizmente brasileiro e que, casualmente ainda virei a conhecer pessoalmente, o qual, sutilmente, colocou-me em meu “devido lugar”.

Alguns ambientes/profissões se apresentam como ambientes mais propícios ao surgimento desses comportamentos, mas é claro que o potencial de preguiça intelectual tem que estar presente.

Se confrontarmos um desses indivíduos eles reagirão ferozmente a essa ideia, já que muitos chegam quase ao esgotamento mental em suas atividades. O problema é que a preguiça mental não é a preguiça de pensar, é a preguiça de pensar diferente, de tentar pensar como o outro, todos os outros, ou seja: dando possibilidade ao erro, ganhar a possibilidade de acertar.

Alguns ambientes/profissões são mais favoráveis a esse fenômeno, as mídias sociais apenas exacerbaram a covardia e facilitaram enormemente a atividade doutrinária. Alguns exemplos:

·        Gigantes da indústria:    
impõem a ideia do “vestir a camisa”, induzindo a um pensamento do tipo: se não está conosco está contra nós.


·        Empresas estatais:  
a estabilidade gera um sentimento de pertencimento que é facilmente manipulado pelas forças políticas predominantes.


·        Universidades, principalmente públicas:
a direção e o corpo docente, formados por especialistas, cientistas, mestres e doutores, cuja necessidade de dedicação a um assunto único reúne condições quase ideias para a doutrinação, somado ao caráter político de sua atividade, formam uma população extremamente vulnerável.


·        Justiça:   
gera em seu meio, indivíduos que, pelo poder que detêm, facilmente se transformam em “justiceiros sociais”, extremamente vulneráveis à doutrinação.


·        Arte:        
devido ao espírito anti-conservador da geração beat e do pós-modernismo, além da irreverência e irresponsabilidade inerentes a uma atividade cujas consequências mais graves podem ser as críticas desfavoráveis da imprensa especializada, são um verdadeiro curral de engorda de fiéis.


·        Sindicatos:      
une um pouco das características das empresas estatais, pela estabilidade que propiciam a seus membros, e da justiça, pelo poder que conferem a esses mesmos membros. Isso, somado às influências políticas naturais nessa atividade, tornam os sindicatos verdadeiros templos da doutrinação.


Essas áreas de atuação têm em comum a produção de ambientes extremamente corporativistas, onde pensar diferente é muito desconfortável.








Como tudo que eu escrevo, este artigo não tem pretensão alguma, muito menos de mudar o que quer que seja. Trata-se apenas de um exercício de autoanálise, um treinamento mental para seguir em frente, porque navegar é preciso e viver não é preciso.




O que aprendi nos últimos anos:
1. Se alguma coisa parecer errada ir mais fundo, nunca aceitar de pronto as justificativas apresentadas, por mais conveniente que isso seja;
2. Se alguém disser algo coerente, analisar sem ressalvas, mesmo que essa pessoa defenda ideias contrárias às minhas;
3. Continuar estudando, lendo, pesquisando e, principalmente, discutindo as teses de um e outro lado sem censura prévia e nunca, mas nunca mesmo, ver as pessoas de forma maniqueísta, aceitando que todos temos defeitos e nenhum de nós tem o dom de saber o que é certo.

Só assim posso ir, ainda que de forma capenga, construindo o que chamamos de bom-senso, para que eu esteja sempre atento a tudo que me cerca e evitar que o Diabo faça de minha mente seu gabinete de despachos!