A MIRAGEM DO MERCADO
W l a d i m i r   P o m a r  -  1991
Comentários DeMimPro6
20/08/2018
Esquecendo um pouco a ladainha do “Lula Livre” acho que a gente tem que estudar o assunto para entender o que está por trás do discurso populista do PT. Acho que está mais do que na hora de discutir esse assunto como se deve!
A partir de uma conclusão, definitiva enquanto dure, de que nem socialismo nem capitalismo são solução para as mazelas da sociedade, quero tentar entender o que está por trás dessa aparente insanidade de algumas pessoas.
Sendo assim, resolvi revisitar minha biblioteca da esquerda que, aliás, estudei muito nos anos 90. Interessante que os dois assuntos, digamos filosóficos, que mais estudei, socialismo e espiritismo, resultaram em uma visão mais crítica do que favorável a ambos.
Na época tinha as mesmas convicções que tenho hoje, apenas não creditava que o PT, como partido do Lula, se jogaria nessa aventura. Explico qual era meu pensamento, que hoje verifico estava completamente errado e que é exatamente o mesmo das almas incautas de hoje - como fui naquela época e ajudei a criar a serpente que está aí.
O assunto desta análise aborda enfoques que sempre considerei pontos pacíficos na discussão do socialismo, como as premissas de Marx, as contradições entre os diversos teóricos do tema e, principalmente, sua relação com o capitalismo.
Em discussões com pessoas que se diziam conhecedoras do assunto, eu ficava muito frustrado, porque, ainda que aparentemente concordassem com esses aspectos, continuavam defendendo conceitos incompatíveis com sua essência e pareciam muito satisfeitas com isso.
Admito minha responsabilidade nessa confusão, afinal a responsabilidade pela compreensão na comunicação repousa sobre o emissor e eu, como tal, pressupunha um conhecimento que, de fato, não existia. Para tentar corrigir isso resolvi escrever este artigo.
Isso me lembra uma imagem que usei em um artigo sobre Einstein sobre como percebemos as dimensões.
Se um ser que existe em um mundo bidimensional estiver dentro de um círculo ele não consegue imaginar uma saída daquela situação, sendo um mundo bidimensional, aquela linha circular contínua representa um obstáculo intransponível. Só com um salto pela terceira dimensão será possível escapar daquela situação.
O mesmo raciocínio vale para tentar entender a ideia das demais dimensões. Se um ser tridimensional como nós estiver dentro de uma esfera, não vai vislumbrar nenhuma forma de sair, a menos que pudesse dar um salto pela quarta dimensão. Mesmo que a gente não consiga perceber o que isso poderia ser, podemos entender essa lógica.
Quando estamos dentro de uma esfera conceitual, seja política, econômica ou mesmo científica, dá-se o mesmo. Sem um salto por outra dimensão não vemos saída daquela armadilha.
Esse é um dos instrumentos da doutrinação, reforçar a imagem de que a esfera é hermética, que só dentro dela é possível pensar e encontrar soluções.
No meu caso, eu acreditava, como a maioria dos meus companheiros à época, com exceção de um ou dois mais radicais, que o socialismo totalitário não era uma ameaça, ainda que a Articulação, facção minoritária, mas detentora de um poder absoluto sobre o partido, fosse dominada por marxistas convictos, prisioneiros da tal esfera.
Posso dar o depoimento de alguns conceitos que fui percebendo de forma diferente ao longo da vida.
Um primeiro exemplo é o dilema estatização x privatização. Quando falamos do nosso país não se pode afirmar que um ou outro sistema seja melhor ou pior.
Se tomarmos a estatização, veremos, por um lado, que saímos da situação de uma economia precária da primeira metade do século XX para uma das dez maiores economias do planeta, graças principalmente às estatizações das indústrias do aço, do petróleo, da aeronáutica, da indústria de base etc.
Salto econômico que devemos às duas mais rigorosas ditaduras que tivemos, a de Getúlio Vargas e a militar.
Por outro lado, assim que alcançamos a estabilidade política, com as liberdades asseguradas por um regime democrático, ainda que capenga, vimos a deterioração dessas empresas que passaram de públicas a privativas dos governos de plantão, sejam estaduais ou federais, com a sua transformação em cabides de emprego, abrigo de práticas corruptas, desvios de dinheiro, de finalidade, perda de eficiência etc. etc.
Pelo lado da privatização não é diferente, as melhores experiências foram com FHC e Collor, quando setores como energia elétrica, transportes e comunicações viveram um salto de eficiência espetacular, semelhante ao salto que houve nas fases anteriores com as grandes estatais. Isso ocorreu em governos pretensamente liberais.
Bastou alternarmos para governos pretensamente socialistas e a derrocada foi tão ou mais espetacular. A abertura do mercado deu lugar a um protecionismo exagerado, ao incentivo à oligopólios, na esperança de com isso criar empresas fortes, os “campeões nacionais”, que deveriam dominar o mercado nacional e depois o internacional. Isso impediu o aumento da concorrência e, como anteriormente com as estatais, gerou corrupção e ineficiência.
Portanto, não podemos defender nem uma coisa nem outra, nem estatização, nem privatização, nem liberalismo, nem socialismo. O fato é que nenhuma experiência foi levada a sério, assim como nunca tivemos empresas estatais verdadeiramente públicas, nunca tivemos um livre mercado digno desse nome, que propiciasse a concorrência necessária para a busca da eficiência.
Uma das convicções que compartilhei com os petistas durante 30 anos foi exatamente sobre a seriedade. Estava convencido que, diferentemente dos demais partidos, o PT era formado por pessoas honestas e sérias, dispostas a trabalhar por um país melhor e mais justo.
Com sérias ressalvas, continuo achando que na média ainda é um partido com pessoas mais sérias que os demais, embora no que diz respeito às instâncias de decisão se mostraram farinha do mesmo saco.
A discussão agora é outra e volto a isso depois da minha análise crítica do texto do Wladimir Pomar:

Revisitando Marx
A afirmação mais comum sobre o marxismo na atualidade é aquela que diz que o marxismo possuía uma teoria de transição do capitalismo para o socialismo, ligada a determinada concepção da revolução, que demonstrou não funcionar. Nessa mesma linha alguns chegam a afirmar que o marxismo possui uma visão golpista de revolução, visão equivocada que causou resultados trágicos.
Uma variação dessas críticas reside na ideia de que o marxismo não soube prever o processo de desenvolvimento do capitalismo. Ao contrário das premissas marxistas, a classe média, em lugar de desaparecer sob um hipotético processo de proletarização, tenderia a se ampliar na mesma proporção que o capitalismo aumentava a circulação de dinheiro e mercadorias. Nessas condições, em vez de ruína e revolução, a perspectiva seria de desenvolvimento e colaboração. Os socialistas deveriam, portanto, transformar-se na força avançada do progresso democrático, apoiado por todas as classes sociais.
O marxismo também é criticado porque teria sido incapaz de encontrar soluções para a construção de uma nova sociedade, contrária ao capitalismo. Não teria previsto que o estímulo principal para o trabalho humano é sua própria propriedade e seus benefícios materiais. Com isso, ao tentar eliminar da sociedade socialista os mecanismos da economia mercantil como mercadoria, valor, preço, lucro, o marxismo teria forjado as condições teóricas de seu fracasso.
Comentário: Esta sempre foi minha principal discordância em relação ao marxismo e sempre me pareceu um ato falho do próprio Marx. Se, como diz, o “estímulo principal para o trabalho humano é sua própria propriedade e seus benefícios materiais”, como a economia continuaria a gerar riqueza depois do fim da propriedade, da possibilidade de acumulação e da riqueza pessoal?
Como sempre pensei, a lei máxima do marxismo: “de cada um conforme a sua capacidade, a cada um conforme a sua necessidade”, carece de sustentação pelo fato de que o desejo humano não tem limites, crescendo à medida que se tem mais e sua motivação pelo trabalho decrescente conforme suas necessidades vão sendo atendidas.
Não menos duros são os ataques ao marxismo por não haver dado a importância devida à democracia. Ao adjetivar a democracia, retirando o valor universal de seu conteúdo, o marxismo teria aberto campo para a implantação das ditaduras que se notabilizaram nos países do socialismo existente. A concepção de ditadura do proletariado como peça-chave do Estado previsto por Marx, mostrou-se antagônica a qualquer tipo de democracia e liberdade.
Para ficar só nesses problemas, o marxismo se encontra sob o fogo cerrado de antimarxistas e de marxistas. Assim, mesmo que houvesse outros motivos, revisitar Marx deve ser uma tarefa indispensável a qualquer um que se proponha discutir a experiência de construção do socialismo. Não é uma tarefa fácil, já que ela deve incluir, necessariamente, uma visita aos interpretadores e seguidores de Marx, que não são poucos e, em certa medida, extremamente contraditórios entre si.
De qualquer modo, é traço comum dos trabalhos teóricos dos revolucionários que galgaram o poder, fazer referências aos textos de Marx para justificar as medidas e decisões que adotaram para construir a sociedade socialista concreta. Todas as teses referentes à necessidade de eliminar as categorias econômicas próprias da economia mercantil no processo de construção do socialismo, por exemplo, têm como parâmetro um trabalho de Engels sobre a planificação socialista, que constitui um capítulo do livro Anti-Duhring. Na verdade, soube-se mais tarde que os textos econômicos do Anti-Duhring foram escritos pelo próprio Marx. Ele afirma que o plano econômico deve ser determinado comparando-se os efeitos úteis dos diversos objetos de uso entre si e com a quantidade de trabalho necessária para a sua produção.
Em outras palavras, a utilidade dos objetos produzidos passaria a ser o aspecto determinante da planificação econômica. O valor desses objetos, dado pela quantidade de trabalho necessária para a sua produção, serviria somente para efeito comparativo. Ele previa, inclusive, que essa quantidade de trabalho chegaria a ser tão insignificante com o desenvolvimento das forças produtivas que acabaria por perder qualquer validade. Os homens passariam a produzir fundamentalmente os objetos úteis para satisfação de suas necessidades.
Comentário: Esta concepção, de como a economia deveria ser estudada, peca, na minha opinião, por um reducionismo exagerado, desprezando aspectos psicológicos que, em última análise, definem o valor das coisas para cada indivíduo. Denota ainda uma visão extremamente mecânica do funcionamento da vontade humana.
Acontece que essas proposições, assim como todas as demais opiniões de Marx e Engels referiam-se a países em que estavam dadas as condições para a completa superação do capitalismo. Eles sempre se referiam à Inglaterra e, secundariamente, à França e Alemanha, na época os países desenvolvidos no sentido capitalista. Em nenhum momento aqueles dois pensadores trabalharam a hipótese de que o socialismo, como fase de transição para uma sociedade do tipo superior, que chamavam comunismo, poderia ser construído em países atrasados do ponto de vista capitalista.
As ideias de Marx e Engels sobre o socialismo e o comunismo não poderiam ser, pois, mecanicamente aplicáveis a países atrasados. Além disso, eles partiam da premissa de que a construção socialista só seria viável se ocorresse mais ou menos simultaneamente na maioria dos países capitalistas avançados. Chegaram a afirmar que sem um alto grau do desenvolvimento das forças produtivas, "só se generalizaria a escassez", portanto, com a pobreza, recomeçaria a luta pelo indispensável, recaindo-se na situação anterior.
Para eles, a possibilidade de construção de uma nova sociedade, livre das contradições do capitalismo, dependia da internacionalização dessas mesmas contradições, em particular da universalidade do fenômeno da existência de uma massa despossuída. A concorrência geral e mundial determinaria que cada individuo dependesse da comoção dos demais. Se isso não ocorresse, o comunismo só chegaria a existir como fenômeno local e de curta duração. Nessas condições, toda ampliação de intercâmbio tendia a acabar com o comunismo local.
Dessa maneira, para Marx e Engels, o comunismo só podia acontecer como ação "coincidente" ou simultânea dos povos maduros do ponto de vista capitalista, o que pressupunha o desenvolvimento universal das forças produtivas e o intercâmbio também universal que a ele deve estar articulado.
Ora, sem considerar essas premissas dos trabalhos de Marx e Engels quando se referem ao socialismo e ao comunismo, como é possível utilizá-los sem qualquer critério diante de realidades tão diferentes daquelas imaginadas por eles? Ou, ao contrário, imputar a eles opiniões que não tinham para desmerecer sua teoria?
O que Marx realmente fez foi descobrir as leis de mudança do sistema capitalista. Verificou que dentro desse sistema ocorria um processo contraditório de avanço progressivo da socialização da produção, que entrava em contradição com a apropriação privada dos meios produtivos e dos resultados da produção. Marx previu que essa contradição se tornaria cada vez mais antagônica, manifestando-se na luta de classes entre os trabalhadores que operam os meios de produção e os capitalistas proprietários. Essa contradição se aguçaria, em especial, na medida em que o desenvolvimento tecnológico tendia a jogar um número cada vez maior de trabalhadores no exército industrial de reserva. O fosso entre um punhado de capitalistas, acumulando riquezas cada vez mais fabulosas, e uma massa crescente de trabalhadores vivendo sem trabalho e na miséria, acabaria por fazer explodir a estrutura do sistema capitalista. A forma de resolver essa contradição consistia em superar o antagonismo entre a produção social e a apropriação privada, transformando esta última em apropriação social.
Comentário: Outro problema que sempre me incomodou no marxismo e outros ‘ismos’ similares é a questão das classes. Ora, se analisarmos as economias mais avançadas, verificamos uma intensa migração de indivíduos entre as classes, com pessoas partindo de condições muito aviltantes e tornando-se, às custas de trabalho, sorte ou ambos, um abastado e, ao contrário, grandes capitalistas, por incompetência, azar ou ambos, tornando-se miseráveis.
Isso só não acontece em sociedades atrasadas, aliás como é o nosso caso, onde existem barreiras quase intransponíveis entre as classes. À medida que o desenvolvimento se processa, essas barreiras vão caindo, por efeito da educação, da competição e da necessidade de estabilidade social. Em uma sociedade bem desenvolvida o mais rico é visto como modelo pelo mais pobre, não como inimigo. Se isso ainda ocorre é porque a sociedade ainda não se desenvolveu o suficiente.
É verdade que Marx não previu as possibilidades do capitalismo desenvolvido criar sociedades de bem-estar (ou pseudo bem-estar), onde até os operários desempregados conseguem se manter com um padrão de vida razoável. Entretanto, ao contrário do que muitos afirmam ao ter os olhos fixos somente na Europa e nos países desenvolvidos, a tese de Marx sobre a pauperização crescente das massas trabalhadoras sob o capitalismo não perdeu sua validade. Embora não tenha chegado a viver a fase do capital monopolista, Marx deduziu corretamente que a concentração e centralização do capital deveriam levar a ela. Portanto, se não chegou a viver o processo pelo qual a internacionalização do capital submeteu a maior parte da humanidade trabalhadora aos interesses dos países capitalistas desenvolvidos, deu as pistas para descobrir processo de transferência da pauperização desses países para os não-desenvolvidos.
Previsões não faziam parte, porém, do universo intelectual de Marx. Ele se preocupava com uma teoria que explicasse o pensamento dos homens por suas condições históricas de existência e pelo conhecimento até então acumulado pela humanidade. Seria ir contra sua própria teoria prever evoluções que só iriam ocorrer anos depois. Ele também não poderia prever as modificações que a estratégia burguesa iria sofrer em função do avanço da luta dos trabalhadores pela democracia e da tentativa de construção socialista numa série de países, antes economicamente atrasados.
Marx viveu o momento histórico em que a burguesia abandonou seu democratismo e, ao mesmo tempo, transformava-se em classe dominante e, também, em classe reacionária. Durante toda a segunda metade do século passado e boa parte deste, todas as conquistas democráticas foram fruto da luta dos trabalhadores contra a burguesia. Não nos esqueçamos que as revoluções democráticas do século XIX foram feitas, em geral, contra a burguesia para implantar a democracia burguesa (burguesa não apenas por suas limitações formais - como as restrições ao direito de voto, por exemplo -, nem tampouco pelo fato da burguesia prosseguir dominando através dos mesmos mecanismos aos quais se opusera, mas principalmente devido ao fato de que a ordem econômica e social capitalista constrange, restringe e limita o alcance dos mecanismos democráticos, que só são plenamente exercidos por uma minoria da sociedade, especialmente seu setor dominante).
Somente após a Segunda Guerra Mundial, no contexto da disputa com o socialismo, alguns países capitalistas começaram a aplicar com mais persistência os direitos democráticos, contrapondo-os as restrições ditatoriais vigentes nos países socialistas. Ao mesmo tempo, porém, esses mesmos países patrocinavam ditaduras sanguinárias nos países capitalistas atrasados. A hipocrisia das democracias ocidentais, em particular a dos Estados Unidos, era patenteada por esse patrocínio.
Foi preciso que os Estados Unidos conhecessem a derrota do Vietnam, que os Sandinistas abrissem um novo flanco na retaguarda americana e que o capitalismo alcançasse o nível de riqueza e pujança que explodiu na década de oitenta, para que a democracia se transformasse numa tática determinante dos países avançados.
Assim, foi num contexto histórico completamente diferente que Marx elaborou suas teses sobre o Estado, a democracia e a ditadura do proletariado. Apesar disso, as críticas mais suaves consideram que Marx subestimou a importância da democracia e defendeu um Estado ditatorial, a ditadura do proletariado.
A rigor, nem Marx nem Engels faziam distinção entre democracia e socialismo, para eles, o socialismo significava a democratização de todas as esferas da vida social. Marx realmente não entendia que pudesse ocorrer uma democracia verdadeira no terreno político, enquanto inexistisse democracia econômica e social. Ele até compreendia o processo pelo qual a burguesia teve necessidade de defender a democracia política, estabelecendo a igualdade formal dos homens diante do Estado, ao mesmo tempo que mantinha a desigualdade real na economia e, como consequência, na própria política. Mas partindo dessa e das demais contradições do desenvolvimento capitalista, que tendia a socializar a produção, Marx considerou que esse processo criava as condições necessárias à democratização plena da sociedade.
Marx e Engels também não eram adeptos da violência cega e de um tipo preconcebido de revolução. Ao contrário, eles denunciavam a violência como produto da divisão da sociedade em classes e resultante, principalmente, da ação de domínio e exploração das classes dominantes sobre as dominadas. Baseados na experiência histórica, inclusive do próprio capitalismo, eles verificaram que a parteira das novas sociedades havia sido sempre a violência. Independentemente de suas convicções morais ou éticas, não podiam furtar-se de reconhecer o fato histórico de que a violência, na maioria das vezes, havia se imposto como única alternativa dos oprimidos se fazerem ouvir pelos opressores, quisessem ou não suas lideranças, seus ideólogos ou seus intelectuais. Em alguns textos eles chegaram a apontar a possibilidade de uma transição não violenta para o socialismo, alertando, porém, para a perspectiva de que as classes dominantes utilizassem a violência e obrigassem a ação de defesa dos oprimidos. Engels, em particular, chamou muitas vezes a atenção para a necessidade de deixar que as classes dominantes arcassem com a responsabilidade da violência.
Sua concepção de ditadura do proletariado também estava composta de dois aspectos que podiam ser separados: ditadura e democracia. Estimavam que no capitalismo real ocorre uma ditadura de classe da burguesia (sob diferentes formas, suaves ou violentas), ou seja, da minoria sobre a maioria, articulada a uma democracia para essa minoria. O socialismo deveria inverter a situação: democracia para a maioria e ditadura sobre a minoria de antigos exploradores. À medida que os antigos exploradores desaparecessem como classe, a democracia deveria estender-se a toda a população, desaparecendo o aspecto de ditadura. Com liberdade e a igualdade instaladas, a própria democracia como a conhecemos hoje não teria mais razão de ser.
Comentário: Aqui tenho outra discordância fundamental com essa teoria.
Se algum tipo de poder será assumido por alguém - já que o estado é um ente abstrato que só se concretiza quando assumido por pessoas - e esse poder será total (ditadura sobre a minoria de antigos exploradores), como garantir que esse poder será exercido de forma isenta e honesta?
A toda ação deve corresponder uma reação igual e contrária, se o objetivo é o equilíbrio.
Se alguém terá poder absoluto sobre a sociedade, quem se oporá aos desmandos e equívocos?
Essa concepção de Marx e Engels sobre a ditadura do proletariado foi elaborada numa situação histórica bem determinada da luta de classes e sob o impacto da experiência da Comuna de Paris, em 1871. De lá para cá muita água passou sob a ponte e as experiências de construção socialista, assim como as novas estratégias capitalistas produziram novas formas de dominação política a serem analisadas. Mas talvez ainda seja prematuro dizer que está encerrada a polêmica a respeito do conteúdo simultaneamente ditatorial e democrático dos regimes políticos capitalistas e socialistas.
Marx e Engels, como já foi dito, só trabalharam a hipótese de transição do capitalismo para o socialismo em países capitalistas nos quais as forças produtivas - capacidade técnico-científica dos trabalhadores, meios de produção, ciência e tecnologia - estivessem plenamente desenvolvidas*. A socialização da produção deveria, assim, ter alcançado um patamar tão elevado que a contradição com a apropriação privada se tornasse insuportável para o tecido social. Quando eles pensavam no processo revolucionário que começava a desenvolver-se nas colônias e países atrasados do ponto de vista capitalista, eles pensavam na consumação da revolução burguesa, do desenvolvimento do capitalismo e instauração das reformas que denominavam democrático-burguesas, que deviam abrir campo para o enfrentamento sem disfarces entre a burguesia e os trabalhadores.
* Ué? Existe esse momento?
Não é culpa deles que a História tenha colocado diante dos revolucionários de diversos países atrasados a possibilidade dos trabalhadores e socialistas alcançarem o poder. Abriu-se para estes a perspectiva de empreender o caminho socialista, mesmo que as condições materiais para isso não estivessem dadas*.
* Lembra algum país?
Essa situação imprevista indicava um processo de transição muito mais complexo e difícil. Apontava a necessidade de amadurecer e desenvolver mecanismos de mercado que o capitalismo não chegara a implantar e, ao mesmo tempo, estimular e desenvolver prioritariamente os novos mecanismos socialistas. Tratava-se de um processo completamente diferente da transição dos países capitalistas avançados.
Acontece que, ao tornar-se uma poderosa força mobilizadora, não só contra o capitalismo, mas contra todas as formas anteriores de exploração e opressão, o socialismo marxista acabou transformando-se numa doutrina que parecia depender exclusivamente da vontade humana, do voluntarismo próprio dos determinados. Dessa forma, as proposições teóricas de Marx - que se referiam a formações sociais socialistas, decorrentes da transformação de sistemas capitalistas maduros tornaram-se proposições que pareciam absolutamente válidas para qualquer sociedade que entrasse num processo de transição não capitalista.
Em sentido inverso, grande parte dos países em transição, mesmo aqueles que nem de longe adotavam uma via socialista explicita - como é o caso da Argélia, Síria e Birmânia -, foram tomados como socialistas. Com isso, o socialismo e o marxismo se enredaram em grandes complicações, independentemente do desejo de seus principais formuladores.
Tais complicações exigem não só a reelaboração de muitas teses socialistas, corno um resgate sério e criterioso das teses marxistas, tão dilapidadas e retorcidas por aqueles que se julgavam os guardiões do templo. A experiência do socialismo e do marxismo nos últimos cem anos, pelo menos, têm mostrado que esse tem sido o caminho histórico de superação de suas crises.
O meu medo é que esses guardiões, quando for superada a atual crise, a maior de sua história, e quando o socialismo e o marxismo voltarem a aparecer como bandeiras dos povos, queiram de novo ocupar o lugar de defensores radicais da doutrina. A tragédia e a comédia fazem parte da vida humana. Mas a farsa é dose para aguentar, mesmo para o fantasma do velho Karl.
O problema aqui, a meu ver, não é das falhas desta ou daquela doutrina, mas o simples fato de ser uma doutrina. No momento em que a ciência política vira doutrina, perde o caráter científico, vira religião e delas, as religiões, acho que a humanidade já se fartou.
O caminho das pedras
Como na época de Marx, embora nos encontremos num estágio muito mais avançado de desenvolvimento e globalização da economia, os rumos do socialismo dependem do capitalismo esgotar as condições de seu crescimento ampliado. As sociedades socialistas que conseguirem manter-se à tona após a passagem do atual furacão, seguirão enfrentando o cerco e a pressão do capitalismo dominante na maior parte do mundo, o que funcionará como limitador do pleno florescimento de suas possibilidades de desenvolvimento econômico, político e democrático.
De qualquer modo, tanto para elas quanto para os partidos e organizações que enxergam no socialismo a possibilidade de superação das desigualdades e da opressão, o atual estágio da humanidade coloca problemas comuns que deverão ser enfrentados e resolvidos. O caminho das pedras para transformar as sociedades capitalistas, fazendo-as ingressar num processo de construção socialista, continua encoberto por águas escuras e cheias de perigo.
Talvez a primeira ideia a incorporar de modo firme e consistente nas estratégias socialistas seja de que, apesar de todas as promessas do capitalismo liberal, nem este nem as sociedade socialistas despóticas representam saídas para superar a exploração, a miséria e a opressão. Assim, no horizonte dos povos, mesmo daqueles que hoje estão saindo do socialismo despótico e ingressando na economia capitalista de mercado ou numa indefinida sociedade socialista de mercado, mais cedo ou mais tarde se recolocará o horizonte do socialismo.
Atribuir a um sistema político ou econômico as mazelas da sociedade é, no mínimo, desconhecer a natureza animal do homem, considerar algo como sua natureza “divina”, assunto que é objeto de crenças, não de conhecimento.
Esse socialismo de novo tipo não pode, porém, ser somente a utopia, a ideia socialista ou comunista da liberdade e da igualdade. Precisa ser o socialismo visto como um longo processo de transição, do capitalismo para uma sociedade de tipo superior, onde estejam construídas as condições para a inexistência de qualquer exploração, opressão ou desigualdade, a não ser a desigualdade própria do desenvolvimento biológico do ser humano, com necessidades desiguais que devem ser plenamente satisfeitas.
Me lembrou uma frase que escrevi outro dia: 
A cada um conforme a sua necessidade: Tá bom, mas eu quero mais!    
De cada um conforme a sua capacidade: Tô bem, mas quero trabalhar menos!
Esse socialismo de novo tipo precisa partir da herança real, econômica, social e política, deixada pelo capitalismo. A nova sociedade deve superar as contradições dessa herança através de tentativas e erros que objetivem equilíbrios econômicos, sociais e políticos de níveis sucessivamente mais altos. Isso significa, falando cruamente, que o socialismo é um processo de duração indefinida no qual devem conviver e lutar, por longo tempo, sob tensões mais ou menos agudas e atritos permanentes, os mecanismos capitalistas de mercado e os mecanismos socialistas de planificação; a distribuição social desigual determinada pelo mercado e a redistribuição mais proporcional da renda determinada por instrumentos políticos e administrativos; a realização dos serviços sociais por entidades de tipo capitalista e por entidades de tipo público ou socialista; a democracia representativa típica da democracia capitalista e a democracia de novas instituições populares que , concomitantemente, ampliam a representação e a tornam permeável à participação dos diversos setores sociais.
Em outras palavras, deve-se considerar a transição socialista como um longo processo de luta entre os caminhos capitalista e socialista, em que a dualidade passa a existir em todas as esferas de vida da sociedade. Na economia, dualidade nas formas de propriedade, de gestão e nas categorias econômicas. O que significa, na prática, a existência de múltiplas formas concorrendo entre si, a gestão planificada combinando-se e ao mesmo tempo opondo-se aos desequilíbrios do mercado. Preços, salários, lucros, valor e outras categorias desdobrando-se entre aquelas determinadas pelo mercado e aquelas que sofrem a interferência política e administrativa dos homens para evitar as tensões e polarizações sociais. As classes, resultantes da divisão social do trabalho, existindo e lutando entre si pela propriedade, pela distribuição da renda, pelo poder.
Mais uma lembrança de coisas que escrevi me vem à mente:
1.  qualquer que seja o sistema há que se evitar a concentração de poder, isso vale para a política como para o mercado;
2.  a educação é a base de qualquer possibilidade de melhoria na sociedade e o conhecimento distribuído é mais eficaz;
3.  o pensamento único revela uma de duas coisas: burrice ou má fé;

Apesar disto ser um tipo de ideologia, não acredito em ideologias estabelecidas, a alternância é muito mais alinhada com meu modo de pensar.
Desenvolvimento e distribuição de renda são incompatíveis, sem desenvolvimento não há renda, sem distribuição de renda não há condições para o desenvolvimento, portanto a única solução é a alternância.
Enquanto a divisão técnica do trabalho não houver sido superada pelo desenvolvimento científico e tecnológico e o mercado não houver sido superado pela capacidade produtiva de atender às necessidades plenas da sociedade*, a divisão social continuará presente. Gerará desigualdades e enriquecimento desigual. O mercado tenderá a impor sua lei do valor na distribuição. O planejamento socialista, por sua vez, tentará realizar uma distribuição acrescentando à retribuição pelo trabalho novos índices que contemplem a produtividade social global e a reciclagem profissional, técnica, cientifica e cultural do homem, para colocar-se à altura de uma nova civilização.
* Será que esse ponto existe? Acho que não, o desejo humano é ilimitado!
Comentário: Aqui volta a discussão, se o socialismo não garante as condições de desenvolvimento ele nunca poderá ser hegemônico e muito menos permanente.
A dualidade geral se refletirá também no Estado, mesmo que uma revolução possibilite reformas de maior profundidade em sua estrutura. O Estado, mesmo hegemonizado pelos trabalhadores, continuará durante largo tempo sendo uma arena de disputa entre as classes, particularmente se o pluralismo político for mantido, se os mecanismos de múltipla representação forem consolidados e se foram estabelecidos novos instrumentos de consulta, através dos quais a sociedade civil possa exercer uma pressão mais eficaz sobre o Estado e a sociedade política, controlando-os e influenciando-os.
A disputa política entre capitalismo e socialismo deve centrar-se na disputa pela ampliação da representação eleitoral, pelo papel que os mecanismos de consulta devem exercer e pelo grau maior ou menor de participação da sociedade civil, majoritariamente trabalhadora, nos processos políticos. Quanto mais profunda for a democratização de todas as esferas da sociedade, mais tenderão a consolidar-se os aspectos socialistas desta mesma sociedade.
Aqui há, porém, problemas estratégicos que a tradição socialista mais contemporânea não conseguiu resolver. E até fácil que os socialistas da atualidade, libertando-se das ilusões criadas no Leste Europeu, compreendam a necessidade de empregar múltiplas formas de propriedade e de gestão na economia socialista, assim como a combinação do planejamento com os mecanismos de mercado, agindo conscientemente a favor do primeiro. Entretanto, é muito mais difícil compreender que, após serem forçados pela violência do capitalismo a dirigir a contra violência popular, assumindo o poder por ação revolucionária, não exerçam a ditadura sobre a burguesia, ao contrário, deixando-a reorganizar-se logo depois para realizar ações de oposição ao novo governo.
Comentário: Aqui se nota uma presunção inadmissível: ao invés da alternância, opção democrática e igualitária, se propõe que os “outros” fiquem isolados na “oposição”, desde que não disputem o poder hegemônico e permanente.

E preciso tratar claramente dessa questão porque há uma tendência generalizada a considerar que a perseverança na democracia significa para os socialistas o abandono de qualquer possibilidade de responder com violência à violência do capitalismo. Quem garante que o capitalismo vai se manter estritamente dentro do processo institucional, desmentindo toda sua história passada? Nesse caso não se trata só da possibilidade de que os socialistas sejam esmagados, por terem ilusões, do mesmo modo que grandes parcelas dos judeus durante as repressões nazistas da Segunda Guerra Mundial. Trata-se de que os socialistas serão abandonados pelas grandes massas trabalhadoras, que descobrirão neles somente vacilação e capitulação, e procurarão outras lideranças.
Assim, embora a política de perseverar na luta pelas reformas e pela ampliação da democracia nos quadros institucionais seja correta, constituindo um poderoso instrumento de educação popular, não se deve descartar a hipótese da burguesia romper com esse processo e impor sua própria lei da selva para manter-se no poder e conservar seus privilégios. Nessas condições, deixar-se esmagar sob o pretexto infantil de que a violência revolucionária só gera ditadura é o mesmo acreditar que a não-violência de Gandhi seria capaz de resultar numa sociedade mais justa. A história da Índia mostra que esse caminho tem representado um custo social muito mais doloroso do que tantas experiências violentas.
Comentário: Acho no mínimo hipocrisia acusar apenas o capitalismo de usar a violência, mormente tendo em vista a história descrita anteriormente pelo próprio autor.
O mal dos antigos revolucionários foi supor que era possível abandonar a luta pelas reformas e pela ampliação da democracia nos quadros institucionais, porque o capitalismo inevitavelmente iria recorrer à violência para esmagar a ascensão dos trabalhadores ao poder. Com isso, não só jogaram fora um importante instrumento de educação revolucionária, como deixaram que a burguesia se apoderasse da bandeira da democracia e da luta institucional, criando um falso antagonismo entre democracia e violência popular.
Entretanto, a experiência dos últimos cem anos não nos permite mais ficar limitados a esse ponto. Trata-se, agora, não só de considerar a possibilidade de empregar a violência revolucionária como resposta à violência capitalista, mas também de, assumido o poder e resolvida a contradição mais aguda com as antigas classes dominantes, adotar mecanismos de democracia mais amplos que os vigentes anteriormente. Em outras palavras, trata-se de permitir o pluralismo político não só entre as camadas anteriormente dominadas, mas também para a própria burguesia e outros setores dominantes que empregaram a violência na tentativa de impedir que os trabalhadores e o povo alcançassem o poder.
A democracia passa a ser, assim, o aspecto principal e determinante da política socialista, ficando a ditadura restrita aos momentos de crise em que os trabalhadores se veem obrigados a responder à violência da burguesia. Esse deve ser, muito provavelmente, o caminho para evitar que o aspecto ditatorial prevaleça e que haja um processo de alienação política das grandes massas da população. Estas, participando efetivamente da política e da democracia, trabalhando pela ampliação dos direitos democráticos de cidadania e pela participação mais igualitária nos frutos da riqueza social, terão mais condições de testar a hipocrisia da democracia liberal burguesa. E poderão consolidar um novo tipo de democracia que efetivamente garanta a liberdade e a igualdade em todas as esferas da vida social. Será possível, então, vislumbrar a possibilidade de que a fraternidade humana se instale efetivamente sobre a Terra.
Comentário: A última frase é de uma ingenuidade atroz e aqui não se trata de excluir a possibilidade de evolução da consciência, ao contrário, acredito que essa evolução está ocorrendo, de outra forma estaríamos enforcando gente nas praças públicas, escravizando povos inteiros etc. O problema é projetar essa evolução até a perfeição, o que é, pura e simplesmente, utópico. As possibilidades dessa evolução ocorrer em alguns indivíduos já são mínimas, que dizer de toda a humanidade.
Essa visão angelical do ser humano talvez seja o maior motivo de vivermos em crise, já basta o malefício causado à evolução humana pelas religiões existentes, não vamos acrescentar mais uma.
Mais espantoso é ver os autores desse discurso acusar quem quer que seja de hipocrisia.
Aqui vale um comentário adicional. Nenhum defensor sério da economia liberal defende que esse sistema vá resolver os problemas da sociedade, ao contrário, quem acredita no liberalismo sabe que esses problemas só vão sendo minimizados, atenuados, embora nunca eliminados, pela evolução das consciências, em um processo permanente, embora nunca chegando à sociedade ideal, pelo simples fato que isso é impossível. Defende-se o liberalismo econômico por entender que é a única forma de gestão possível da economia, já que ela funciona como um ecossistema (que, aliás, é de fato) e como tal não admite interferências (como sabemos, interferir em um ecossistema significa promover mais desiquilíbrios).
Isso não significa adotar a lei da selva, mas fazer uma gestão que combine livre mercado com regras que deem função social ao lucro, através de políticas tributárias e de distribuição de renda flexíveis, que se atualizem a cada momento da evolução social e conforme as necessidades. Comparando com a gestão ambiental seria como promover uma agricultura sustentável.
Esse processo, porém, como qualquer processo de tentativa e erro, não exclui a possibilidade de que a burguesia possa retomar a hegemonia e reconquistar o poder através dos mecanismos democráticos proporcionados pelo socialismo. Numa certa medida, foi isso que ocorreu na Nicarágua e em grande parte dos antigos países socialistas. Pode-se argumentar que isso ocorreu em virtude dos erros, defeitos, barbaridades, crimes etc., vividos por esses países, levando os socialistas ao desgaste e à derrota. Entretanto, seria ingenuidade supor que os socialistas, depois dessas experiências, não mais cometerão erros políticos ou que os liberais burgueses, apoiados em sua vasta experiência e no capitalismo internacional, sejam incapazes de disputar vitoriosamente a hegemonia e o poder.
Se isso for verdadeiro, coloca-se para os socialistas a possibilidade de ter que passar por todo o processo precedente. Se agora os socialistas se dispõem ao rodízio do poder, é muito difícil supor que o capitalismo se disponha a isso. Até hoje ele só tem admitido o rodízio entre partidos que não se propõem a transformar o capitalismo num novo sistema econômico e social. Só as lutas futuras poderão dizer se vão abdicar do uso da violência quando os trabalhadores criarem as condições de alcançar o poder.
Comentário: É notável essa fixação na ideia de que o “socialismo” terá que se impor a qualquer custo, a presunção de que a “palavra de Marx” é sagrada, que todos os outros estudiosos do assunto estão fatalmente enganados.
Perceba que esse grupo não admite nenhuma possibilidade de estarem errados ou, pelo menos, não totalmente certos, caracterizando-se como uma seita religiosa. Claro que essa postura gera uma reação no sentido de evitar sua chegada ao poder, tendo em vista terem deixado claro que lá chegando não sairão mais.
Nessas condições, a construção dos fatores socialistas na economia também se tornará muito mais complexa, prevendo-se um longo processo de fluxos e refluxos na socialização da propriedade, da gestão econômica, da distribuição e assim por diante. As forças produtivas, em especial a revolução tecnológica, devem continuar desempenhando um papel objetivo primordial, mas a socialização das relações de produção, que dependem em grande medida da ação humana consciente, deverão influir poderosamente para consolidar aquele papel.
O mercado mundial capitalista deverá continuar exercendo uma influência poderosa sobre o processo de desenvolvimento nacional, para retardá-lo ou subordiná-lo a seus padrões de crescimento e consumo. Em tais condições, deverão alternar-se períodos de desenvolvimento quase autárquico, com períodos de integração na divisão internacional do trabalho, tendo em conta as tendências de crescimento ou de crise do mercado capitalista. Esses padrões de crescimento e consumo do capitalismo só conseguirão ser superados quando a universalização das forças produtivas for uma realidade na maior parte do mundo e o socialismo estiver consolidado num conjunto de países avançados.
Comentário: Incrível alguém acreditar que um mesmo grupo, com as crenças que já propalaram, vá exercitar essa alternância de políticas, com uma capacidade realmente sobre-humana de gestão e imunes a todos vícios naturais com os quais lutamos a milênios e tão bem descritos por Homero, Shakespeare, Molière e tantos outros escritores e filósofos.
Até lá, os problemas do crescimento desigual, do consumismo de supérfluos, do desperdício e da eficiência econômica artificial, típicos do capitalismo, se refletirão sobre os países que empreendem o caminho socialista. Seria extremamente enganoso, como mostrou a experiência dos países da Europa Oriental, tentar resolver tais problemas por meios estritamente políticos e administrativos. A indução ao consumo, por exemplo, é tão forte, que todos os povos que ingressarem pelo caminho socialista deverão passar por um processo mais ou menos longo de experimentação até que, elevados a um novo patamar cultural, científico e tecnológico, se tornem aptos para processar soberanamente suas reais necessidades materiais e culturais* e as imponham ao processo produtivo. Talvez seja isso o que Marx chamava de reino da liberdade.
* Novamente: frente aos desejos do homem, existiria esse limite? (Ver autores citados anteriormente).
O caminho das pedras é assim, um caminho longo e tortuoso. Um caminho sem utopias imediatas, mas cimentado pela esperança em alcançar um mundo livre das desigualdades e injustiças que marcaram toda a história humana escrita*. Talvez por isso seja tão necessário sonhar com essa nova sociedade, mesmo enfrentando a dura realidade da transição. Muitos socialistas tentaram sonhar o presente e viver o futuro. Não deu certo. Talvez seja mais adequado viver o presente e sonhar o futuro.
Comentário: Mais uma vez é notável a ingenuidade de confundir uma utopia, ideia que norteia o movimento, com meta, alvo a ser atingido. Quem já liderou sabe o quanto é nocivo e frustrante confundir os dois conceitos, afinal metas utópicas são a fórmula do fracasso, já que só geram frustração e desânimo.
Volto a atacar essa visão angelical do ser humano, no rumo de mais uma religião a nos dividir (paradoxalmente religião vem de religare).
Mas isso já é assunto para o próximo texto.

Conforme prometido, vamos lá: se a seriedade do partido não é mais a minha razão de combater o PT, qual é a discussão agora e como cheguei a essa conclusão?
Pois bem.
Na minha opinião o PT, quando chegou ao poder com o Lula, cometeu alguns erros fatais e, a cada um desses erros, ia se revelando a face oculta dessa turma, face que eu negava até as últimas consequências alguns anos atrás.
O primeiro erro foi desperdiçar a oportunidade de ouro de ter a legitimidade e a popularidade para levar o povo às ruas pelas reformas políticas e estruturais necessárias e para colocar a PF e o MP em cima dos corruptos, seja na instância política, jurídica ou empresarial, para desmontar essa lógica do poder no país, baseada em uma elite corrupta ciosa de seus privilégios.
Ao contrário preferiu a via fácil dos mesmos meios utilizados por aquela elite, não só participando da corrupção, como acobertando falcatruas de grandes grupos econômicos em troca de financiamento de seu projeto político.
Para não dizerem que essa é minha opinião, podemos verificar na voz do próprio Lula. Neste vídeo, entre umas biritas e uns schnapps, podemos conferir o que ele pensa sobre poder, logo depois dos comentários sobre o Walesa:
Nesse momento já se revelava a ideia de poder a qualquer custo e desprezo à opinião pública em nome de uma ideologia que excluía qualquer possibilidade de alternativa.
O segundo erro foi de competência técnica mesmo. Todo o staff do partido, tido e havido como os melhores economistas e analistas de geopolítica e economia global, foi incapaz de alertar o governo sobre a crise que se avizinhava, com a debacle das commodities e o consequente fim da farra fiscal em que eles mesmos tinham nos metido.
Nesse aspecto vale destacar o caso do pré-sal, assunto que qualquer pessoa de bom senso sabia ser extremamente delicado, que provocaria a reação dos grandes jogadores desse mercado fortemente cartelizado, que devia ser tratado o mais discretamente possível, sem alardes, talvez até salientando os altos custos, as dificuldades de sua exploração, de forma a evitar qualquer especulação sobre superprodução que alertasse o mercado mundial.
Ao contrário, ainda em função de sua visão estreita de poder pelo poder, fizeram o maior estardalhaço chegando a causar alguma influência nos preços internacionais do petróleo.
Sem aprofundar muito essa discussão pode-se dizer sem causar grande perplexidade que, no mínimo comportaram-se ingenuamente em relação ao papel do Brasil na economia mundial, no mínimo deixando de poupar para os anos difíceis que viriam.
O terceiro e decisivo erro foi alinhar-se descaradamente com o que havia de mais atrasado no mundo: Fidel Castro, Ahmadinejad, Chaves e outros caudilhos do século passado, pressionados pela incompetência ou visão estreita da política mundial.
Esse foi o erro que desmascarou definitivamente qualquer intenção democrática do partido.
A partir daí, a discussão de seriedade e honestidade ficou completamente ultrapassada, agora a discussão teria que ser as intenções que moviam esse pessoal.
Os vídeos a seguir não são descontextualizados nem editados, são a expressão dos próprios personagens dos fatos que se desenrolam em nossa cena política:
VÍDEO 1 – 2012 – MENSAGEM DE LULA EM APOIO A HUGO CHÁVEZ
VÍDEO 2 – 2008 – HUGO CHÁVEZ CONFESSA: LULA E FARC JUNTOS NO FORO DE 1995
VÍDEO 3 – LULA MENTE PARA BORIS CASOY DURANTE CAMPANHA DE 2002
VÍDEO 4 – 14ª REUNIÃO DO FORO – MONTEVIDÉU, 2008
VÍDEO 5 – DISCURSO DE LULA DE 2011 – 17ª REUNIÃO DO FORO
VÍDEO 6 – DISCURSO DE LULA DE 2013 – LULA EXPLICA A ESTRATÉGIA DO FORO DE SÃO PAULO PARA CHEGAR AO PODER
VÍDEO 7 – VICE-ALMIRANTE VENEZUELANO MARIO IVÁN CARRATÚ DENUNCIA O FORO DE SÃO PAULO NA NTN24
VÍDEO 8 – MENSAGEM DE LULA EM APOIO A MADURO
VÍDEO 9 –LULA FALA DAS ESTRATÉGIAS DA ESQUERDA E DA ESTRATÉGIA DELE, LULA
VÍDEO 10 –REPORTAGEM SOBRE A INVESTIGAÇÃO DO BNDES

Não tenho absolutamente nenhuma preferência, ao contrário do pessoal que acredita ter encontrado não só a origem de todos os males de nossa sociedade, mas a fórmula final de como resolvê-los. Estou procurando caminhos e, para isso, quero me manter aberto a todas (ou quase, afinal algumas são tão toscas que nem merecem análise) as opiniões e teses.


Prometo publicar uma análise do programa de governo do PT e uma do Amôedo, à luz desta discussão, até o fim deste mês de agosto de 2018.