O gene egoísta e nossos desejos
Direita x Esquerda - a verdadeira história
26/10/2014 18:00


A contenda ‘direita x esquerda’ é tão velha quanto a existência do homo-habilis, existe há milhões - é isso mesmo - milhões de anos.
Recentemente recebi um e-mail desses que a gente costuma receber em época eleitoral, com uma visão um tanto leviana sobre essa questão - Direita x Esquerda-orig.pps - e não resisti à tentação de responder. Fiz uma nova versão e devolvi - Direita x Esquerda.pps.
Passado o calor da disputa - este texto foi publicado após o encerramento das eleições - podemos olhar para esse tema de forma mais clara e, principalmente, construtiva. Afinal nosso destino é, queiramos ou não, definido em grande parte pelas opções políticas que fazemos.
A vida é um processo comandado pelo gene egoísta que é, por natureza, selvagem. Tudo que ele quer é garantir a sobrevivência e a expansão da espécie, ainda que à custa do espécime.
O problema é que nós somos os espécimes.
Achamos que, como seres conscientes, temos nosso livre arbítrio para decidir viver conforme nossos desejos, entretanto não é bem assim, somos reféns do nosso gene. Nossa liberdade vai até os limites do que ele nos permite e esse condicionamento aflora através de nossas ‘qualidades’ e ‘defeitos’.


A história do pescador e do empresário demonstra duas visões de mundo antagônicas.
Certa vez, um homem muito rico e muito ocupado caminhava pela praia para tentar aliviar a carga dos inúmeros e complexos problemas que atormentavam sua vida. De repente, ele deparou-se com um pescador deitado despreocupadamente junto a um barco, olhando o azul do céu. 
Indignado, deteve-se junto ao pescador e perguntou:
- Como você pode ficar deitado aí, em pleno dia de trabalho, porque não está pescando?
- O pescador virou lentamente a cabeça na direção do homem e respondeu com outra pergunta:
- Por que você está tão irritado? Eu não estou pescando porque já pesquei o suficiente para o dia de hoje.
Inconformado, o homem insistiu:
- Se você estivesse com seu barco no mar, certamente traria mais peixes para vender ou estocar e poderia ganhar muito mais dinheiro.
- E pra que eu preciso de mais dinheiro? quis saber o pescador.
- Com mais dinheiro você compraria um barco melhor, mais moderno, com maior capacidade de navegação e com ele teria uma pesca mais abundante e consequentemente, mais dinheiro. Logo você poderia até ser dono de uma companhia pesqueira e ser um homem rico.
- E o que eu faria então? Perguntou o pescador.
- Você teria condições de gozar muito mais desta vida, namorar lindas mulheres, enfim tudo o que o dinheiro pode oferecer.
- Já tenho minha casinha, mulher e filhos, eu sou feliz assim, vivendo cada momento. Vivo o presente e o que tenho basta para mim e minha família. Adoro a vida que levo e sou feliz!
Mas, retrucou o empresário:
- Você poderia comprar uma linda casa, automóvel do ano, roupas caras, viajar e descansar! Você se contenta com pouco. É preciso aproveitar mais a vida!
Olhando o interlocutor com um leve sorriso desenhado no rosto, o pescador perguntou:
- O que você acha que eu estou fazendo agora?
Nada aqui é óbvio!
Se a nossa luta, como manda o gene egoísta é para escapar de um planeta condenado, seja através de tecnologias de transporte seja através de transformação do meio em que vivemos - o aspecto “multiplicai-vos” ou preservação da espécie - temos que ter a coragem de ‘criar’ essa tecnologia, ainda que indiretamente, como o empresário da anedota, mesmo abrindo mão dos nossos desejos imediatos.
Se optamos pelos fatalismo da integração com a natureza, seja do planeta seja de nós mesmos enquanto espécimes - o “crescei-vos” ou a manutenção da espécie - temos que resistir às imposições de uma sociedade altamente competitiva para nos manter de forma sustentável.
Ambas as opções são consistentes com os ditames do gene egoísta e, num mundo ideal, deveriam colaborar entre si. Trata-se da célebre disputa entre ‘branco’ e ‘vermelho’ presente em todos os mitos humanos, o ‘explorador’ e o ‘preservador’, o ‘nômade’ e o ‘sedentário’ etc. Nessa disputa não há covardia, ambas as opções exigem muita coragem para serem assumidas!
A história da humanidade é feita por aqueles que assumiram riscos, ousaram, viram oportunidades onde os outros só viam riscos, seja de um lado ou do outro dessa luta.
Nosso país vive um dilema muito mais importante do que aparece na mídia e nas propagandas políticas.
Outro dia ouvi um candidato responder a um jornalista que os temas mais complexos da economia não eram abordados na campanha porque a população não tinha capacidade de entender a profundidade dos conceitos.
Darcy - continuo darcysista - já alertava: ‘Se queremos ser uma “nação” temos que decidir que nação queremos ser’.
Não é possível querer gozar dos benefícios da industrialização sem investir na organização da sociedade para a produção industrial. Por outro lado não se pode esperar que o poder econômico e militar permitam que vivamos idilicamente, gozando nossas belezas naturais indefinidamente (imaginando que fossemos suficientemente conscientes e conservativos) enquanto eles produzem as “facilidades” que consumimos.
A questão da soberania passa por essa escolha e pelo desafio de viabilizá-la, seja ela qual for. O fato é que “copiar” as nações desenvolvidas ou permitir que elas “explorem” o nosso mercado não nos garantirá a liberdade. É apenas uma questão de tempo, uma vez que os recursos do planeta são finitos e a avidez humana não, mais cedo ou mais tarde nossas belezas atrairão a cobiça de algum “poder” instituído.
Um dos maiores problemas da política nacional é não encarar de frente essa questão.
Quando Jânio Quadros se aproximou de Fidel Castro, nos anos 60, o que se viu foi uma inclinação para o comunismo, quando nada mais era do que uma estratégia de mostrar aos Estados Unidos uma certa independência e, dessa forma, conseguir melhorar o nível das negociações com eles.
A geopolítica, construída pelas condicionantes geográficas e pela história dos povos, determina o futuro das nações. Exemplos:
A Suíça se formou por situar-se em uma região dos Alpes que apresenta grandes dificuldades para o desenvolvimento de atividades permanentes, sem falar nas dificuldades de transporte. Isso favoreceu a chegada de imigrantes de vários países no seu entorno - daí manter quatro línguas em um território tão pequeno - em busca de um espaço, já que seus países de origem estavam superlotados, formando um povo extremamente trabalhador e voltado para si mesmo, sem grandes laços com seus vizinhos.
O japão se tornou uma potência industrial porque as suas possibilidades agrícolas são praticamente inexistentes, mas, principalmente porque seu povo tem uma vocação extraordinária para a competitividade, tendo se formado a partir de uma confrontação milenar com a gigantesca China.
A China, a despeito da pobreza extrema em que a maioria da sua população viveu ao longo de milhares de anos e dos anos de ditadura comunista, mesmo com um sistema político improvável, está despontando como líder mundial, diretamente em função de sua dimensão, população e predisposição.
Nossa realidade impõe, de forma inescapável, a vocação de potência mundial, considerando-se: dimensão geográfica, coesão política, população e estágio de desenvolvimento.
A única possibilidade de não nos tornarmos uma potência é a fragmentação geográfica e política, ou seja, se nos mantivermos unidos, mais dia menos dia, chegaremos lá, e, se isso acontecer, é porque quisemos que assim fosse.
A aproximação do Lula com o Hugo Chávez e Cuba, não tem nada a ver com ‘bolivarianismos’, e sim com uma visão muito lúcida de nosso papel geopolítico.
A Venezuela, como grande produtor de petróleo - faz parte da OPEP - e com sua presença no Caribe, representa uma posição estratégica em relação aos Estados Unidos.
Cuba é, literalmente, um pé no hemisfério norte.
Ambos extremamente vulneráveis e abandonados pelas grandes potências. Não aproveitar essa circunstância só se justificaria por covardia.
O Mercosul é uma conquista indiscutível nessa guerra moderna, onde as armas são econômicas.
Nossa presença no Haiti não tem nada a ver com razões humanitárias, trata-se de mais uma tentativa de aumentar nossa presença no cenário político internacional. Da mesma forma em relação a nossas ações na África.
A opção ao Mercosul é ceder aos acordos comerciais com os USA, como fizeram o México - cuja geopolítica está limitada pela sua dimensão comparativa e fronteiras diretas com os Estados Unidos - e o Chile - limitado por suas dimensões e população.
Ceder a esse tipo de acordo, seria, evidentemente, abdicar do papel de protagonista no mundo, aceitando o comando de uma nação que nos permitirá viver bem enquanto for interessante para ela - não nos esqueçamos que a Amazônia é objeto de cobiça desde muitas décadas.
A ampliação do Mercosul com a entrada da Venezuela e do Peru, nos daria o controle da Amazônia e do Caribe, nos tornando definitivamente um ‘player’ no jogo econômico imposto pelo nosso grande irmão do norte.
Essa é a diferença entre PSDB x PT, de um lado a opção, na minha opinião, covarde, por uma solução imediatista e fácil, bem ao estilo “Armínio”, subordinando nosso país à economia mundial e, de outro, a opção de lutar até o fim por uma nação independente e dona do seu destino.
A Marina poderia representar o outro lado da medalha, que seria optar por ser o país da sustentabilidade, mas sem abdicar de nossa independência, com uma visão clara de nosso papel no mundo. Infelizmente não demonstrou competência para permanecer no jogo.
Nosso futuro político continua, como nos mostrou Darcy, uma incógnita.
Eu, particularmente, acredito em duas forças recém surgidas: Kassab e Haddad.
Kassab, com a ambição e a falta de escrúpulos absolutamente necessárias àqueles que fazem a diferença, entretanto não tenho muita clareza da natureza de seus objetivos, se puramente pessoais ou pessoais associados a um projeto político maior.
Haddad, com objetivos claramente associados a um projeto político maior, entretanto não tenho muita clareza da sua ambição e da necessária falta de escrúpulos para fazer a diferença.