Comentários sobre o artigo do futuro ministro das relações exteriores, Ernesto Araújo, na publicação do Itamaraty de 2017, CADERNOS DO IPRI Nº 6, “Trump e o Ocidente”.
O texto está no link ao final

19/11/2018


Depois de 11/09/2001 a perplexidade tomou conta de nós, será que perdemos a capacidade de sermos "nós" para sermos apenas animais acuados?

A dominação dos chineses, a revolução islâmica, o imperialismo americano, a doutrinação marxista, a mudança climática? Cada um pode escolher sua versão de apocalipse, só não vale dizer que está indiferente.

A discussão que se impôs pelas urnas, lá e cá, está posta.

Temos opções: discutir, nos calar ou reagir sem pensar, submetidos às ideologias que foram inoculadas em nossas almas por aqueles que não têm nenhum compromisso com futuros possíveis, apenas obsessão pelo poder?

Não, não aceito qualquer rótulo se não houver a disposição de discutir, aliás o que uma minoria barulhenta nunca admitiu, exceto se for para “discutir” contra o "fascismo".

Aceito discutir até deus, por que não. Sempre disse que o Mistério só pede Ser Sagrado! Afinal o bicho homem, como sempre disse, é, antes de tudo, um bicho, cuja complexidade não aceita ideologias projetadas por mentes algorítmicas.

Acredito que depois da liberdade, a coisa mais fundamental para o homem é a sensação de pertencimento, de fazer parte de algo que vale a pena, de uma identidade.

Darcy Ribeiro morreu sem saber a resposta à sua principal questão: O que o Brasil quer ser?

Não queremos ver manifestações culturais como “folclore”, nos sentindo superiores, como intelectuais, e sim participar delas como integrantes legítimos e aceitos pelos nossos pares.

Para isso não podemos ser cidadãos do mundo, mas pessoas de algum lugar.

Não podemos amar a todos da mesma forma, quem disser isso não ama ninguém. Nosso coração não é, como todo o resto do nosso corpo, angelical, não, é o coração do bicho homem, limitado e que, portanto, exige escolhas.

Quando li "Em defesa do socialismo" de Fernando Haddad vi o oposto do que acredito, não posso dizer o mesmo do texto de Ernesto Araújo, ainda que não seja exatamente o que penso, mas bem afinado com algumas convicções.

Acredito que podemos avaliar nossa visão de mundo por um conjunto de valores que priorizamos, como na tabela a seguir:

competição
colaboração
caridade
solidariedade
direitos
deveres
justiça
bondade
família
tribo
sagrado
ciência
certo
fácil
perfeito
simples
local
global
ideologia
pragmatismo
dúvida
certeza
sucesso
trabalho
procurar
achar
chegar
viajar

Toda concepção de sociedade prioriza alguns desses valores, se escolhermos em cada linha apenas um dos valores, aquele que priorizamos em nossa forma de ver o mundo, poderemos entender melhor porque eventualmente discordamos tão ferozmente em nossas discussões.

Alguns escolherão os valores da 1ª coluna, muitos dirão que seriam os da 2ª coluna e outros ainda que seria uma mescla desses valores, mas acredito que facilitaria muito a discussão começar por essa escolha. A partir daí vamos tentar entender o pensamento desse novo ministro das relações exteriores.

O objeto do seu artigo são as políticas de Donald Trump, que ele considera mais sérias do que normalmente encaramos.

Trump não parece uma personalidade admirável, pelo menos não por motivos nobres, como Bolsonaro também não, mas ambos são o resultado de um processo que transcende muito as estratégias publicitárias de uma eleição - caso contrário, os mestres da publicidade gramscianos teriam vencido mais uma - são o resultado de uma fermentação de ideias, descontentamentos, desalentos e, paradoxalmente, esperanças.

O nosso futuro ministro das relações exteriores está errado ao interpretar Trump, ou ao defender as ideias que ele defende? Chi lo sa!

Quanto a um eventual adesismo do nosso futuro governo ao presidente americano ou a suas políticas, adesismo que seria solenemente ignorado por nosso grande irmão do norte, vale lembrar que o autor, culto que é, tem total consciência de que para Trump, assim como para todo o chamado West, nosso Ocidente, não só o Brasil, como toda a América Latina não se incluem nesse grupo.

O “Ocidente”, para seus próprios integrantes, é formado basicamente por Europa, Estados Unidos, Canadá e outras poucas seletas nações, dessa forma seria ridículo para qualquer um de nós, muito mais para uma pessoa bem informada como nosso futuro ministro, ter qualquer ilusão de reconhecimento por parte de Trump ou qualquer outro líder ocidental.

O fato é que, pela primeira vez em 30 anos pelo menos, vejo o afloramento de ideias que, mesmo insistindo muito, não conseguia colocar em discussão. Temos que reconhecer a ditadura ideológica em que vivemos por todo esse tempo, muitos por toda a vida. Não se trata de concordar ou não, apenas de permitir-se o acesso a várias visões de mundo, pra além do politicamente correto e do discurso engajado.

Temos a chance de acabar com a hipocrisia de achar que se defende este ou aquele ponto de vista porque, pra além de qualquer possibilidade de dúvida, é o lado "certo".

O fato é que o defendemos apenas porque nos identificamos com ele, acreditamos em seus princípios lógicos, em outras palavras, fazemos uma aposta em um caminho mesmo sem saber se é o certo e, dessa forma, esperamos que a maioria esteja conosco e, em última análise, que todos estejam certos.

É inadmissível continuar a alimentar antipatias e até inimizades por não respeitar a visão do outro e, por respeitar, quero dizer aceitar como uma possibilidade real dessa visão estar certa. Contestar não significa desmerecer. Criticar fatos é uma coisa, ideias se contesta.

Nem falo do comportamento insano de fazer um enorme espalhafato a cada tropeço da nova equipe, o que revela o desejo mesquinho de ver o circo pegar fogo, como se não fizessem parte da mesma trupe.

Vamos aproveitar essa oportunidade ou continuar a nos entrincheirar teimosamente em um lado do campo de batalha que não queremos nem saber bem qual é, nos contentando em saber que sempre estivemos lá, sem pensar?

No link a seguir o texto em referência:
Trump e oOcidente - Ernesto Araújo





O filme Trumbo conta a história de Dalton Trumbo, um dos maiores roteiristas de Hollywood, acusado de conspiração anti-americana na época da caça aos comunistas, nos anos 1950. Ele, como tantos outros, fez parte de uma blacklist que foi usada para perseguição de todos que professavam convicções comunistas.

A força da indústria cinematográfica acabou prevalecendo e quase todos – alguns morreram nesse período – voltaram ao show business, como resultado de seus indiscutíveis méritos em suas áreas de atuação, confirmados pelas enormes bilheterias que produziam com suas produções. Assim se encerrou esse capítulo triste da política americana.

O seu discurso de agradecimento ao Writers Guild of America Laurel Award, é memorável:
The blacklist was a time of evil and no one who survived it came through untouched by evil.
Caught in a situation that had passed beyond the control of mere individuals, each person reacted as his nature, his needs, his convictions and his particular circumstances compelled him to.
It was a time of fear and no one was exempt.
Scores of people lost their homes, their families disintegrated. They lost!
And in some... some even lost their lives.
But when you look back upon that dark time, as I think you should every now and then, it will do you no good to search for heroes or villains.
There weren't any.
There were only victims.
Victims, because each of us felt compelled to say or do things that we otherwise would not.
To deliver or receive wounds which we truly did not wish to exchange.

A lista negra foi um tempo do mal e ninguém que sobreviveu saiu ileso.
Pegos em uma situação que passou do controle de meros indivíduos, cada pessoa reagiu como sua natureza, suas necessidades, suas convicções e suas circunstâncias particulares o obrigaram.
Foi uma época de medo e ninguém ficou isento.
Dezenas de pessoas perderam suas casas, suas famílias se desintegraram. Eles perderam!
E alguns ... alguns até perderam suas vidas.
Mas quando você olha para trás naquele tempo sombrio, como eu penso que vocês deveriam fazer de vez em quando, não adiantará procurar heróis ou vilões.
Não havia nenhum.
Havia apenas vítimas.
Vítimas, porque cada um de nós se sentiu obrigado a dizer ou fazer coisas que de outra forma não faríamos.
Provocamos feridas que realmente não desejávamos.