Democracia x Demotopia
                                                                                                                                                                              20/07/2018
Se tem uma coisa que sempre me ocupou a mente foi essa discussão entre socialismo e capitalismo.

Talvez por ter nascido em plena guerra fria, provavelmente vivia ouvindo quem defendesse um ou outro lado. Depois, tendo nosso país sofrido interferência direta desse conflito, com as forças de esquerda – na época consideradas comunistas – confrontando o resto do mundo, já que o império americano estava em seu auge e, portanto, dominava a economia e o pensamento da maior parte do mundo, e sendo essas forças (ou fraquezas) de esquerda sido derrotadas em 1964, com a “redentora”, passei, como todos os meus contemporâneos, por anos sombrios em que, ao contrário do que desejavam os ditadores, se fermentou mais ainda o pensamento socialista por aqui.

Muito bem, de vez em quando tenho uns insights, às vezes "espontâneos", às vezes "provocados" e preciso registrar para não perder essas linhas de raciocínio que são a base do meu equilíbrio, porque quando se pensa muito às vezes morre um burro.

Tem a ver com a democracia, sempre ligada à ideia de capitalismo, enquanto imagina-se o socialismo como totalitarismo.

O insight "espontâneo" foi durante minha peripatetada (caminhada pensativa), quando me veio à mente essa situação bizarra do Trump com o Putin – inacreditável que não haja alguém pra se levantar e dar um basta nisso, alguém que esteja investigando esse cara, que tenha informações sobre o que há por trás dessa aliança tão absurda, que dê base para um impeachment!

Ato contínuo me veio a lembrança da nossa situação política: um poder executivo tombado e sem forças, diante de um legislativo e um judiciário onipotentes que sitiaram o país para atender, não à vontade do povo, mas às suas necessidades corporativas.

Não que o poder executivo seja muito melhor, apenas tem menos poder, por incrível que possa parecer.

O que há em comum nesses dois casos?

A incoerência entre nosso senso comum e a realidade.

Estamos habituados, desde muito tempo, a admitir que a democracia é uma forma de organização do poder que garante, no mínimo, que alguém não consiga enganar a todos por todo o tempo, acreditamos que o próprio conflito de interesses entre os detentores do poder, bem como a divisão desses poderes, em que um fiscaliza o outro, seriam suficientes para, a médio prazo, as coisas irem se ajeitando.

Na idade média o senso comum era: A voz do rei é a voz de deus! Tanto isso era verdade que um súdito aceitava docilmente ceder ao rei prima nocte (aliás, parece que o primeiro voluntário foi um carpinteiro chamado José).


Hoje, mesmo com certo ceticismo, queremos crer que a voz do povo é a voz de deus. 

O fato é que não é assim e, muitos dirão, não chega a ser novidade.

O que me ocorreu é por quê é assim.

Voltemos ao caso do Trump + Putin: o que está ocorrendo é que todas as instâncias do poder estão de alguma forma comprometidas com o mecanismo que está em funcionamento e todos tem algo a perder com o desmascaramento de um presidente – é um pouco aquela fábula do rei que saiu nu do castelo. Com isso há uma paralisia das instituições, como se todos estivessem torcendo pra tudo sair bem sem muito barulho.

No nosso caso temos um legislativo cheio de privilégios e poder e um judiciário não menos poderoso e não menos agraciado por privilégios. Ora, é um mecanismo autoalimentado, à medida que conquistam poder, aumentam seus privilégios que reforçam atitudes cada vez mais corporativas dos seus membros, ciosos de seus privilégios, afastando-os cada vez mais das causas para as quais foram eleitos.

Chegamos a uma explicação plausível de porque a nossa Democracia não é mais um poder do povo, é mais uma Demotopia, uma ilusão do povo.

Quando as estruturas de poder se tornam fortes, o que é o objetivo original de suas formações, passam a ser contaminadas pelas suas necessidades corporativas, aqui entendidas como a superposição dos desejos individuais e particulares de seus membros.

Isso só não ocorre em sociedades que gozam de muita fartura, em que há um grau satisfatório de confiança entre os indivíduos e instituições, já que na abundância a competição será sempre mais “educada”.

insight "provocado" foi logo em seguida, quando, lendo o livro “A Miragem do Mercado”, de Wladimir Pomar (1991), cheguei na seguinte frase:
No período de transição do capitalismo para o socialismo, o Estado desempenharia papel importante para destruir o velho aparelho de dominação e criar uma verdadeira democracia socialista. Esse Estado, de natureza diferente do antigo Estado capitalista, embora assimilando e ampliando muitas das conquistas da democracia burguesa, deveria ser o Estado da ditadura do proletariado.
Da mesma forma que uma economia planificada e controlada pelo estado não é viável, por constituir-se de um complexo ecossistema, uma ditadura do proletariado seria outra utopia, uma vez que, em pouco tempo, as instituições estariam totalmente dominadas pelas suas necessidades corporativas e o povo teria que esperar.


Outra ilusão é imaginar que as antigas elites exploradoras continuariam a empreender ou que a massa proletária teria capacidade de obter os mesmos resultados da fase capitalista. Obviamente não, ou seja, uma nova elite, formada pelos mais capazes, teria que assumir o papel da velha, e uma vez no poder repetiriam os mesmos vícios de qualquer grupo com poder suficiente para garantir seus próprios privilégios.