Eu fui do contra
20/10/2016
Fui do contra porque precisava ser, porque a realidade mostrava que as coisas não iam bem, porque havia muita coisa errada.
Fui contra as injustiças, as ditaduras, as desigualdades, ao capitalismo, porque era a exploração do homem pelo homem e ao comunismo, porque era exatamente o contrário.
Eu fui do “quero porque quero”, “acho porque acho”!
Eu fui do tudo tem que ser “de grátis”.
“Ai, que preguiça!”
Eu fui do contra e, como eu, muitos foram e, de repente, éramos maioria.
Quando fomos contra a ditadura caímos no colo do Sarney.
Aí fomos contra o Collor e caímos no colo do FHC.
Fomos contra o Plano Real, contra a reeleição de FHC.
Eu fui do contra até ver a esperança, finalmente, vencer o medo e aí, de repente, éramos a favor.
A favor da distribuição de renda, do Fome Zero, da erradicação da pobreza, da melhoria dos benefícios sociais, do pleno emprego, do sonho de um país melhor.
A favor, inclusive, do Plano Real, da reeleição.
Aí veio o Mensalão, e eu pensei: é por um bem maior, afinal eles não estão roubando para enriquecer, estão jogando o jogo dos políticos. Com certeza vão rechaçar essa súcia e reconduzir o partido para a moralidade.
Jacaré fez? Nem eles!
Aí veio o retrocesso econômico, o Petrolão e começou a cair a ficha. Afinal não éramos a favor da distribuição de cargos, nem da  entrega do país para os mesmos: Sarney, Renan, Collor e até Maluf.
Depois de tantos anos sendo do contra, agora percebia que tinha me preocupado tanto em ser do contra que nem percebi a favor de que eu tinha ficado.
Eu não era a favor do favorecimento de aproveitadores e oportunistas, nem de fantasias e mentiras, nem de abrir mão de pessoas honestas e sérias porque não se afinavam com o modus operandi do  partido, nem de manter o poder às custas da traição de nossos ideais.
Logo eu, que nos anos 90 ministrava palestras sobre gerência e administração:
“Decisões nunca devem ser tomadas contra alguma coisa, mas sempre a favor de uma alternativa que te garanta a sustentação.”
“Não largue um emprego ou uma carreira porque não gosta, ao contrário, descubra qual é a sua opção de vida e vá atrás, mas, enquanto não tiver segurança, preserve o que tem.”
“Não abandone uma estratégia porque acha que não está dando certo, ao contrário, pense uma nova estratégia, ponha em prática e, quando estiver seguro dessa nova opção, aí sim pode abandonar a anterior.”
Agora não adianta vir com o “si eu subesse”! Ignorância é como virgindade, uma vez perdida não se pode mais alegá-la!
Nem coitado, nem mané coitado! Ficou claro que eu tinha uma infinidade de restrições àquilo que eu apoiava com tanto entusiasmo, mas relevei porque tinha cansado de ser do contra.
Ficou claro que os fins não podiam justificar os meios e mais, que os fins não podiam encobrir irresponsabilidade, enriquecimento ilícito, apoio a ditaduras, assassinatos e sabe-se lá mais o quê.
E eu deixei de ser a favor e não posso ser mais do contra!
E eu deixei de ser do contra! Deixei de ser do contra e me surpreendo com você que, vendo tudo que vimos, continua acreditando em qualquer baboseira de esquerda só porque é do contra.
Deixei de ser do contra e me assusto com você que era contra o Moro porque ele significava as garras do PSDB destruindo o PT e, antes do impeachment, passou a dizer que o golpe era para abafar as operações desse mesmo Moro!?
Eu deixei de ser do contra, e me incomodo com você, que prefere acreditar em qualquer piorra loca que aparece patrocinando passeatas de inocentes úteis e mercenários safados, a perceber que tudo não passou de uma fantasia.
Deixei de ser do contra e me decepciono com você que, sabendo que o atual governo tinha sido eleito por nós, com todos esses bandidos e que, mesmo sem nenhuma opção válida, prefere pedir eleições, como se votar em outro bando de energúmenos fosse resolver os problemas do país.
Eu deixei de ser do contra, continuo realista e tenho clareza de que precisamos fazer valer a nossa vontade, mas, como disse certa vez a um cliente de coaching que queria mandar uma carta desaforada para uma empresa consorciada que tinha pisado feio na bola: “ー Se você quer se divertir, vá em frente, mas se o que você quer é resolver o problema, então pense um pouco mais no que vai escrever.”
Podemos e devemos ir para a rua, fazer passeatas, pressionar o congresso e as autoridades, mas se quisermos ter algum sucesso, precisamos escolher bem nossas bandeiras.
Listo abaixo aquelas que acho serem as mais necessárias no atual momento da política nacional:
  1. Consulta Pública PEC 106
    PEC 106, de autoria do senador Jorge Viana do PT e relatoria do senador Randolfe Rodrigues da REDE, que propõe a redução da quantidade de parlamentares no congresso. Deve entrar em discussão em novembro.
  2. Dez medidas contra a corrupção
    Sugestão do Ministério Público para atualização das leis anticorrupção que vai a plenário para discussão e que pode ser descaracterizada pelo parlamento como pode vir acompanhada de medidas contra o “abuso de poder” que visam enfraquecer as investigações em andamento.
  3. Desmilitarização das Polícias
    As polícias militares são um resquício da ditadura e conservam o modus operandi da época, só com a sua extinção podemos ter uma nova mentalidade policial, voltada à proteção e não ao controle do cidadão.
  4. Fim das universidades públicas gratuitas, com a adoção de política de bolsas para baixa renda ou outras condições de vulnerabilidade, revertendo esse investimento para a valorização dos professores e de todo o ensino básico.

De nada adianta espernear por coisas que não tem sustentação, precisamos começar do começo, afinal não somos mais adolescentes(**).

Paródia do texto publicado no Facebook por Márcio Augusto Costa em 04/2016
Abaixo o link do vídeo de Silvio Matos e o texto original
Eu fui PT.
Empunhei bandeira, colei adesivos.
Fiz campanha, fui a comícios, usei broches que eu mesmo comprei.
Sei de cor os jingles das campanhas de Lula.
Me irritei com as seguidas derrotas.
Gritei fora Collor, fora FHC e até fora Globo.
Chamei o plano real de golpe.
Falei que o “bolsa escola” era forma do governo comprar voto dos mais pobres.
Eu fui PT porque tinha que ser.
Eu sou trabalhador, e não democrata, nem liberal, nem comunista, então o Partido dos Trabalhadores era o lugar do cara que teve que trabalhar pra pagar a faculdade e sabia que teria que continuar trabalhando duro pra comprar sua casa, pra pagar seu carro, pagar suas viagens.
Eu fui PT por ideologia e não fisiologia.
Não ganhei um centavo, não viajei de graça, não estudei de graça, e nem acho graça nas coisas de graça.
Eu nunca achei golpe o pedido de impeachment de Collor, nem os diversos pedidos manejados contra Itamar ou FHC.
A constituição atribuiu a representantes eleitos pelo povo a função de processar e julgar o presidente, e eu acho isso extremamente democrático.
Eu fui PT.
E, no ano de 2002, enviei cartões de Natal aos meus queridos amigos com a frase: “A Esperança venceu o medo!”
Eu estava trabalhando na madrugada daquele natal!
Eu fui PT.
E, se as redes sociais existissem naquela época, eu compartilharia textos não de Jean Wyllys, ou Jandira, por que eu li Hélio Bicudo, Cristovam Buarque, Fernando Gabeira, eles não são mais PT.
Fui PT até quando deu pra ser.
Até o dia que o “T” de trabalhador foi substituído pelo “T” de trapaça, de trambique. Por que não, de Traição.
O Partido dos Trabalhadores se agarrou ao poder, e abraçou Renan, Sarney, Collor e até o Maluf, criou fantasias e contou mentiras, soltou a mão de pessoas honestas e sérias, e foi aí que deixei de ser PT.
Eu deixei de ser PT, e me surpreendo com você, que contesta o fato de Cunha ser o condutor do impeachment, mas jamais contestou o fato dele ser um dos elos da aliança entre o governo e o PMDB.
Eu deixei de ser PT, e me decepciono com você, que acusa Temer de ser golpista e bandido, mas jamais contestou o fato dele ser, desde o primeiro mandato, o vice presidente escolhido por Dilma.
Eu deixei de ser PT, e me assusto com você, que, ao ouvir uma gravação, não comenta o conteúdo, simplesmente afirma que escuta foi ilegal.
Que diante de uma delação pautada em provas, limita-se a falar em vazamento seletivo.
Que de frente a evidências de fraude, corrupção e tantos crimes, ataca a imprensa, a polícia e o juiz.
Eu deixei de ser PT, e me envergonho de você, que aplaude políticos processados, julgados e condenados que entram de punho erguidos na cadeia como se fossem vencedores e não ladrões.
Que afirma que o mensalão não existiu, que não há escândalo da Petrobrás, que não é dono do sítio, nem do apartamento... Que nunca soube de nada.
Que afirma que não há crime em uma prática absolutamente ilícita só porque ela já foi feita por outros.
Eu deixei de ser PT, e me incomodo com você, que vai às manifestações da CUT, cheias de balões, camisetas vermelhas, e enormes palcos, tendas e militantes pagos, tudo custeado com dinheiro obrigatoriamente sacado dos salários de trabalhadores todos os anos com o nome de imposto sindical.
Eu deixei de ser PT, e não entendo você, que fala em defesa da democracia e afirma que pode ser golpe uma decisão de um congresso eleito pelo povo.
Que fala em voto livre, mas aceita a compra de parlamentares com cargos e dinheiro.
Eu deixei de ser partido, continuo trabalhador... e você?




(**) “Para piorar, na adolescência passamos a ter que lidar com assuntos de complexidade enorme, sem o menor preparo para isso: a sexualidade e as preliminares do mundo adulto. É quando começamos a sucumbir ao senso comum, não o dos pais (eles agora são o inimigo), mas o da tribo a que aderimos, no auge de nossa insuficiência: temos que nos homogeneizar, eliminar qualquer traço de diferença com relação a eles. Por reação às nossas inseguranças, adquirimos certezas absolutas: não existe melhor contribuição para a burrice.
Se não fosse suficiente, o adolescente ainda corre o risco da maconha, das drogas estupefacientes (fazedoras de estúpidos), além de se levar a sério. Levar-se a sério é pior que maconha, para emburrecer.”
Francisco Daudt
psicanalista e médico, é autor de 'Onde Foi Que Eu Acertei?'






















(*) Desidiota: Neologismo, o contrário de Idiota. Usei para designar aquele que tenta participar, com suas ideologias, da vida pública.
Idiota: Do latim idiota, originado do grego antigo ἴδιώτης (idhiótis), "um cidadão privado, individual", derivado de ἴδιος (ídhios), "privado". Usado depreciativamente na antiga Atenas para se referir a quem se apartasse da vida pública.