Nossos heróis!?
Complemento ao artigo Soberania Líquida de 04/02/2015 em DeMimPro6.
24/09/2015
Primeiro tivemos o falastrão Joaquim Barbosa, que passou como um cometa barulhento para desaparecer da cena política, pelo menos até este fatídico setembro de 2015.
Foi como um Jânio Quadros dos anos 60 ou mesmo o Lula de 2002, um herói brazuca para nos salvar dos bandidos que tomavam conta do Brasil.
Agora é o juiz Sérgio Moro.
De estilo reservado, caráter ilibado, honestidade implacável e hábitos simples, o juiz da Vara Federal de Curitiba entrou para a história do nosso país ao levar executivos poderosos de empreiteiras para a cadeia e se mostrar implacável no combate à corrupção da PETROBRÁS e da política brasileira. Sempre que alguém o compara com Joaquim Barbosa, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, Sérgio Moro desconversa. Ou melhor, silencia.
Cursou o Program of Instruction for Lawyers na prestigiada Harvard Law School e participou de programas de estudos sobre lavagem de dinheiro no International Visitors Program, promovido pelo Departamento de Estado Americano.
É um aficionado pela histórica "Operação Mãos Limpas"(operação ocorrida na Itália em 1982). Quando a compara com a Lava Jato, não tem dúvidas: "É apenas o começo".
O caso que marcou para sempre a política italiana foi deflagrado por um acordo de delação, mecanismo inaugurado anos antes nos processos contra a máfia. Após dois anos de investigações, a Justiça italiana havia expedido 2.993 mandados de prisão contra empresários e centenas de parlamentares, dentre os quais quatro ex-premiês.
Num artigo sobre o caso italiano em 2004, Moro exalta os chamados "pretori d'assalto", ou "juízes de ataque", geração de magistrados dos anos 1970 na Itália que ganharam espécie e legitimidade ao usar a lei para "reduzir a injustiça social", tomar "posturas antigovernamentais" e muitas vezes agir "em substituição a um poder político impotente".
O juiz SÉRGIO MORO se identifica com essa geração e vê no Brasil de hoje um cenário semelhante e propício ao combate à CORRUPÇÃO.
Coincidência?
Quando essa investigação tomou o vulto que todos conhecemos, comecei a me perguntar: de onde vem o poder desse rapaz?
Claro que eu gostaria que isso fosse o começo de uma conscientização, de uma limpeza da nossa política, mas não tenho tanta esperança, aliás é sempre bom lembrar que a Mani Pulite levou ao poder o polidíssimo Berlusconi.
O fato é que não acredito em heróis sem costas-quentes, aliás eles existem ou existiram aqui e ali, mas tem outro nome, são chamados mártires.
Será mera coincidência o fato de nenhuma empresa estrangeira ligada à Petrobrás – concessionárias de campos de exploração, fornecedoras etc. – ter sido citada na investigação. Será que elas não participaram do propinoduto?
Imediatamente vimos um grande movimento internacional para desestabilizar a estatal que, a despeito de toda essa situação, mostrava uma eficiência invejável.
A partir dessas constatações não tive mais nenhuma dúvida.
Apesar das evidências claras de corrupção e da consistência das investigações, havia um interesse muito maior por trás de tudo isso: privatizar a Petrobrás.
Não dou 2 anos para que isso aconteça e, volto a dizer, nem acho ruim não, mas não nos enganemos, soberania é pra quem pode!
Vejam a seguir algumas conexões interessantes:
A esposa do digníssimo juiz, a advogada Rosângela Wolff de Quadros Moro, procuradora jurídica da Federação Nacional das Apaes, instituição dedicada à inclusão social de pessoas com deficiência e, dizem, faz parte do escritório de Advocacia Zucolotto Associados em Maringá.
Dizem ainda que o dito escritório defende várias empresas do Ramo do Petróleo, como: INGRAX com sede no Rio de Janeiro, Helix da Shell Oil Company, subsidiária nos Estados Unidos da Royal Dutch Shell, uma multinacional petrolífera de origem anglo-holandesa, que está entre as maiores empresas petrolíferas do mundo. A Shell é concorrente direta da Petrobras.
Ontem, 23/09/2015, houve um seminário na UFRJ sobre Geopolítica e recursos naturais, “Uma estratégia para o Brasil, um plano para a Petrobras”, promovido pela Associação dos Engenheiros da Petrobras (AEPET) e pelo Programa de Pós-graduação  em Economia Política Internacional da UFRJ.
Esta é a principal conclusão da palestra do professor Raphael Padula(*):
Segundo Padula, a geopolítica dos EUA, no século XXI, tem como foco a garantia de acesso a recursos naturais indispensáveis tanto para eles, como para os aliados.
Entre os 10 maiores importadores de petróleo, apenas China e Índia podem ser considerados fora do controle estratégico dos EUA. Para o professor isto explica a importância da “tutela” que garante aos norte-americanos o apoio dos países aliados na defesa de seus interesses diretamente ligados às questões neoliberais, de garantia de mercados às empresas e serviços dos EUA.
Para confirmar seu raciocínio, Padula relatou as mudanças na política externa dos EUA no século passado, no pós-guerra e depois da dissolução da União Soviética. O fim da guerra fria levou a maior potência do planeta a eleger novas ameaças à paz mundial, da qual se julga o grande defensor, como o narcotráfico e o terrorismo.
Mas os altíssimos níveis de desenvolvimento da China trouxeram um novo ator ao cenário mundial que, associado ao nacionalismo de Vladmir Putin, na potência militar da Rússia, fazem frente ao poderio norte-americano. A China já é o segundo maior consumidor de recursos naturais do planeta, e tem poucas reservas. A Rússia, além do arsenal atômico, tem reservas de hidro carburetos indispensáveis, principalmente à Europa ocidental, grande aliada dos EUA.
Diante deste cenário e coerente com sua geopolítica, os Estados Unidos reforçam sua política intervencionista de garantir o acesso aos recursos naturais, tendo seus aliados como parceiros, diante da fragilidade deles na obtenção destes recursos.
No final da palestra, Padula trouxe esse cenário para a realidade da América Latina e, principalmente, para o Brasil. Segundo ele, a estratégia dos EUA é a de impedir o surgimento de potências regionais em áreas de abundância de recursos naturais. Geograficamente, o Brasil está estrategicamente localizado, além de possuir um território que representa mais de 50% do subcontinente sul-americano e com reservas consideráveis das principais commodities minerais.
Assim, o modelo proposto para a nossa região, segundo Padula, insere-se dentro da geopolítica dos EUA como países que devem ter suas Forças Armadas voltadas para o controle de conflitos internos, combate ao narcotráfico e ao terrorismo, mas incapazes de defender suas riquezas naturais. Papel que caberia aos Estados Unidos. Além disto, é necessário impedir o fortalecimento de associações como o Mercosul e a Unasul, contrapondo isto a políticas apenas de livre comércio.
Raphael Padula demonstrou como o giro na política externa brasileira, a partir de 2003, até então totalmente favorável aos interesses da geopolítica dos EUA, passa a incomodar a grande potência. O Brasil assume seu papel de protagonista em seu entorno estratégico, reforçando o ideal integrador do Mercosul, além de um espaço de livre comércio e expandindo suas ações rumo à África ocidental, vizinha do Atlântico sul.
Com a descoberta do pré-sal, as decisões brasileiras sobre a forma de exploração desta riqueza elevaram as tensões entre diplomáticas entre Brasil e EUA. O emergente protagonismo do primo pobre do sul incomodou. O primo rico tratou de reativar a 4ª Frota Naval, específica para o Atlântico sul; rejeitou a resolução da ONU que garantia o direito brasileiro nas 200 milhas continentais. E espionou, como revelado no caso Wikileakes.
Raphael Padula encerrou sua palestra afirmando que os interesses da geopolítica americana não podem permitir o surgimento de uma potência regional, detentora de recursos minerais estratégicos e, ao mesmo tempo, com uma empresa pública eficiente como operadora única da maior reserva de petróleo descoberta neste século.


(*) Raphael Padula é Professor Adjunto da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É Professor Permanente da Pós-Graduação em Economia Política Internacional (PEPI) do Instituto de Economia (IE/UFRJ) e atua na graduação de Relações Internacionais, lecionando disciplinas de Geopolítica, Teoria Política Internacional e Integração Regional.