03/01/2014


Tesão & TarasAnalisar ou derrapar

Qualquer análise tem que ser honesta, afinal o maior pecado que podemos cometer é o autoengano, mormente se queremos analisar como funcionam empresas, pessoas e sociedades.

Que carro você quer pra entrar nessa corrida?

Um tem os melhores freios do mundo, freios tão bons que ele já nasce parado e... sem motor!

O outro tem um motor potente, pneus carecas e...    
nenhum freio, mas você vai precisar entrar com ele andando.


Se você não quer entrar em nenhum dos dois você é uma pessoa normal. Afinal de que serve um carro parado e, por outro lado, como fazer as curvas com um carro sem freios. No entanto nem sempre decidimos com tal sensatez nas curvas da vida.

Muito se fala, principalmente no âmbito corporativo, de Missão e Valores e ninguém questiona a importância desses atributos, seja para empresas, seja para as pessoas.

Não nos ocorre que mais importante do que “Missão e Valores” é descobrir qual é nosso “Tesão” e quais são nossas “Taras”.

Um carro para ser bom tem que estar equipado com algumas coisas fundamentais:
  • Motor é o Tesão: aquilo – e a única coisa – que te move.
  • Pneus são as Taras: sempre prontos para derrapar.
  • Freio é a Missão: só serve para diminuir o ritmo.
  • Direção são os Valores: como indicamos aonde queremos ir.
Missão e Valores são coisas meramente ideais. Não só não existem, uma vez que são apenas promessas, como também são altamente questionáveis porque derivadas de moral e ética, coisas fundamentalmente variáveis conforme a sociedade e a época em que vivemos.

À medida que vamos nos atrelando a essas “invenções” criadas para nos sentirmos aceitos pela sociedade em que vivemos, vamos travando nossos freios e fritando nossos pneus, que vão ficando cada vez mais carecas.

Isso provoca desequilíbrios que vão desde a busca de subterfúgios como ser torcedor fanático, ser obcecado por um rabo de saia ou, por outro lado, possessivo e doente de ciúme, precisar daquele trago todo fim de dia, colecionar coisas malucas, virar algum tipo de “ólatra”, cair na rede de alguma seita ou filosofia mirabolante, até extremos como tornar-se um serial killer, um estripador de prostitutas, um skin head perseguidor de negros, nordestinos e homossexuais etc., etc., etc.

– Pô, aí você já está viajando... – dirão alguns.

Entretanto, apesar de serem, felizmente, casos pouco frequentes (embora ocorra cada vez mais), parece certo que muitas dessas aberrações são provocadas por algum tipo de repressão ou auto repressão que ultrapassou algum limite, desembocando em comportamentos hediondos.


O fato é que só nos movemos pelo Tesão ou, usando uma expressão mais polida: pelo Entusiasmo, o resto são apenas controles. Quanto mais percebermos isso melhor poderemos administrar nossas vidas e nossos sentimentos.

Missão e Valores são relativos

Essa frase choca, mas infelizmente, é nessa armadilha que nos jogamos quando começamos a questionar tudo, todas as regras sociais que inibiam a nossa liberdade. Nunca foi tão claro o significado da “expulsão do paraíso”.

Talvez não precisemos jogar fora nossas convicções, apenas ficar atentos às nossas taras, elas são o melhor indicador de como está nossa capacidade de fazer as curvas que vão aparecendo na estrada da vida.

“Missão e Valores” não são mais do que controles, não definem como vamos sair da imobilidade, como vamos competir, é o “Tesão” que nos move, porém não podemos esquecer de nossas “Taras”, pneus carequinhas que, se por um lado nos dão mais velocidade, por outro nos deixam sem controle nenhum e, acredite: VOCÊ TEM “TARAS”.

Missão é aquilo que nós acreditamos com o “lobo frontal” (Sabe? Aquele, que nos permite mentir melhor que os macacos?), invenções ideais que podem servir de orientação, mas é só motivação, o Tesão é que nos entusiasma.

Muito mais do que os Valores – essas promessas de amor verdadeiro e eterno que fazemos a alguém que nos dá tesão – são as Taras que definem como vamos nos comportar, principalmente frente às tentações da vida.

A primeira mudança é aceitar que temos Taras, todos temos Taras, e nossa atitude será tão melhor quanto mais reconhecermos isso e, a partir daí, pudermos administrar melhor nossos sentimentos.

Alguém disse que alcançaremos a felicidade ou, ao menos, a alegria de viver, quando se PODE e DEVE aquilo que se QUER.

O que queremos, o que nos dá Tesão, depende, em maior ou menor grau, de nossas Taras. Se conseguirmos determinar nossa Missão pelo nosso Tesão e administrar nossos Valores em constante diálogo com nossas Taras, tudo bem, estamos na corrida, caso contrário viveremos parados ou voando pelos barrancos, apenas para sustentar médicos e analistas.

Por que existem as máfias?

Está cada vez mais claro que o mundo é dividido em duas formas de governo:
  1. As máfias, o chamado crime organizado, um sistema de governo baseado em Tesão & Taras que usa Missão e Valores como instrumento de poder: honra, lealdade, devoção à causa da famiglia;
  2. E os governos institucionais, sistema baseados em Missão e Valores e que usam Tesão & Taras como instrumento de poder: marketing político, corrupção, aliciamento.
Tesão & Taras se manifestam de várias formas como fenômenos sociais: uma delas são os rebeldes, insurrectos, idealistas, outra são as máfias, o crime organizado e, entre as duas, os black bloc, estes sem direção nem controle e que, justamente por isso, serão inevitavelmente submetidos por um dos dois lados.

Governos não se baseiam em Tesão & Taras e sim em Missão e Valores e as máfias não toleram se submeter a isso.

Na verdade ninguém tolera, a maioria apenas não tem coragem de se rebelar.

Essa é a realidade da espécie humana, viver no meio da luta entre o bem e o mal, bem e mal que nós mesmos inventamos. Viver entre Orcs e Elfos, em busca do Anel da invulnerabilidade. Nós os trouxas[1] do Harry Potter, sendo levados como as trouxas que os aventureiros levam nas costas.

Já falamos também sobre essa imagem criada por J. K. Rowling[2], autora de Harry Potter, a figura dos trouxas, aqueles que não são versados nos conhecimentos de magia. Basicamente diz respeito à maioria de nós, que se julga incapaz de mudar as coisas, que não tem coragem de assumir um lado dessa partilha do poder.

Aí está, mais uma vez de forma inequívoca, a nossa sina da “expulsão do paraíso”. A questão eterna da humanidade! E os livros sagrados são muito claros em uma questão: a única saída para os degredados é o apocalipse, seja como um fim, seja como um recomeço.

Se acreditamos que o apocalipse significa um recomeço, precisamos, urgentemente, do terceiro evangelho, um novo livro sagrado que nos oriente, porque as duas forças: Tesão & Taras e Missão e Valores, estão aí para sempre, não temos mais como apaga-las de nossas consciências, e não estão lá fora, no mundo, estão dentro de nós, de cada um de nós.
Como vejo o mundo
Albert Einstein
A respeito da degradação do homem de ciência
...
Hoje, o homem de ciência se vê verdadeiramente diante de um destino trágico. Quer e deseja a verdade e a profunda independência. Mas, por estes esforços quase sobre-humanos, produziu exatamente os meios que o reduzem exteriormente à escravidão e que irão aniquilá-lo em seu íntimo. Deveria autorizar aos representantes do poder político que lhe ponham uma mordaça. E, como soldado, vê-se obrigado a sacrificar a vida de outrem e a própria, e está convencido de que este sacrifício é um absurdo. Com toda a inteligência desejável, compreende que, num clima histórico bem-condicionado, os Estados fundados sobre a ideia de Nação encarnam o poder económico e político e, por conseguinte, também o poder militar, e que todo este sistema conduz inexoravelmente ao aniquilamento universal. Sabe que, com os atuais métodos de poder terrorista, somente a instauração de uma ordem jurídica supranacional pode ainda salvar a humanidade. Mas é tal a evolução, que suporta sua condenação à categoria de escravo como inevitável. Degrada-se tão profundamente que continua, a mandado, a aperfeiçoar os meios destinados à destruição de seus semelhantes.
Estará realmente o homem de ciência obrigado a suportar este pesadelo? Terá definitivamente passado o tempo em que sua liberdade íntima, seu pensamento independente e suas pesquisas podiam iluminar e enriquecer a vida dos homens? Teria ele se esquecido de sua responsabilidade e sua dignidade, por ter seu esforço se exercido unicamente na atividade intelectual? Respondo: sim, pode-se aniquilar um homem interiormente livre e que vive segundo sua consciência, mas não se pode reduzi-lo ao estado de escravo ou de instrumento cego.
Se o cientista contemporâneo encontrar tempo e coragem para julgar a situação e sua responsabilidade, de modo pacífico e objetivo, e se agir em função deste exame, então as perspectivas de uma solução racional e satisfatória para a situação internacional de hoje, excessivamente perigosa, aparecerão profunda e radicalmente transformadas.
As “direitas” são muito mais pragmáticas, lidam muito melhor com essa dualidade, pelo menos no que diz respeito à manutenção do poder – lembrando que muita “esquerda” por aí não passa de lobo em pele de cordeiro.

Serra e Alckmin negociam com o PCC sem nenhum constrangimento, Kennedy buscou apoio em Chicago com o capo SamGiancana: eles entendem que essas forças sempre existiram e sempre existirão, não podem ser eliminadas, então precisam ser consideradas na equação política.

A “esquerda” real é muito mais ingênua, muito mais idealista, acredita que pode fugir do apocalipse, eliminar o mal e finalmente libertar o povo oprimido, só que dentro de cada um, idealistas, opressores e oprimidos, estão lá Tesão & Taras, confundindo, provocando derrapadas monumentais e tirando o carro da pista.

Ou escrevemos o novo livro sagrado da humanidade, cuja fórmula nós ainda não encontramos, ou vamos rumo ao apocalipse, a alternativa é avaliar como negociar entre esses dois lados, o bem e o mal, Tesão & Taras e Missão e Valores e, finalmente, estabelecermos um diálogo entre direita e esquerda, branco e vermelho, explorador e conservador, usurpador e filhos da terra.


Um exercício de raciocínio

Sabemos, ou pelo menos deveríamos saber, que o exercício físico nos faz sentir melhor, com mais disposição, menos sujeitos a doenças etc., entretanto a prática é penosa, exige força de vontade.

Quando vencemos a preguiça e iniciamos, as coisas vão ficando progressivamente mais fáceis.

Ocorrem dois fenômenos simultâneos: a redução dos sintomas como cansaço, desconforto respiratório, dores musculares etc., devido ao condicionamento físico e um segundo fenômeno, muito mais importante que o primeiro, que é a redução da sensibilidade negativa.

Eu chamo de sensibilidade negativa a sensibilidade ao sofrimento: à medida que nos exercitamos vamos reduzindo essa sensibilidade negativa permitindo que a gente vá se superando cada vez mais.

Esse mesmo processo se dá ao lidarmos com nosso comportamento: se encararmos Tesão & Taras de forma honesta podemos começar a nos exercitar para o que julgamos ser nossa Missão e nossos Valores, lembrando que estes serão sempre adaptáveis, porque fruto única e exclusivamente de nossa imaginação, real mesmo são Tesão & Taras.

Quanto menos encaramos Tesão & Taras mais estamos vulneráveis a eles e menos fiéis à nossa Missão e nossos Valores.

Missão e Valores devem ser bem dosados, de acordo com as circunstâncias e com a capacidade de cada um a cada momento, da mesma forma que no condicionamento físico.

Não se trata de abrir mão de nossas convicções, ao contrário, como já dissemos em outra ocasião, devemos sempre ser fiéis ao nosso conhecimento, podendo até reconstruí-lo, mas sempre respeitando o que já sabíamos e, partindo daquele ponto, rever e aprimorar nossas conclusões.

Um aspecto interessante desse processo é que, ao reduzir a sua sensibilidade negativa, que é a sensibilidade ao sofrimento, à privação, ao esforço de nos enquadrarmos àquilo em que acreditamos, mais você desenvolve a sua sensibilidade positiva: a sensibilidade ao prazer, ao belo, à alegria de viver, a sensibilidade ao que dá Tesão.


[1] Muggles no original.
[2] Joanne Kathleen Rowling Murray

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