Filósofo, escritor
e ensaísta, pós-doutorado em epistemologia pela Universidade de Tel Aviv,
discute temas como comportamento, religião, ciência. Escreve às segundas.
iGen: Jovens em agonia
13/11/2017
Ricardo Cammarota
|
||
|
||
O conceito de geração, criação
bem sucedida do marketing americano desde os chamados baby boomers, ganhou
"credencial" científica.
A pesquisadora americana Jean
Twenge, em seu último livro "iGen, Why Today's Super-Connected Kids Are
Growing Up Less Rebellious, More Tolerant, Less Happy -and Completely
Unprepared for Adulthood" (Geração i, por que os jovens de hoje,
superconectados, estão crescendo menos rebeldes, mais tolerantes, menos felizes
-e completamente despreparados para idade adulta), lançado pela Atria Books,
constrói, a partir de um arsenal de pesquisas, um perfil dos jovens nascidos
entre 1995 e 2012.
O universo é o americano, mas,
podemos aplicá-la com razoável segurança aos jovens brasileiros das classes A e
B.
Vale esclarecer que "i"
(internet) aqui se refere ao "i" do iPhone, logo, a autora está
dizendo que esses jovens vivem com um iPhone nas mãos. E também "i"
para "individualismo", traço marcante da iGen.
Trabalho com jovens entre 18 e 20
há 22 anos. E posso perceber enormes semelhanças entre o que ela descreve e o
que vejo no dia a dia, não só em sala de aula mas também graças ao contato
alargado com jovens via mídias sociais.
Muitas dessas características são
quase universais, devido à ampla rede de comunicação e distribuição de bens
criada pelas mesmas mídias sociais.
Escolas e famílias, muitas vezes,
são parte do problema, e não da solução. Ambas se atolam em modas de
comportamento e iludem a si mesmas e aos jovens por conta, seja do marketing
das escolas, seja das projeções vaidosas dos pais sobre seus filhos. O
marketing das escolas é desenhado a partir dessas mesmas projeções vaidosas dos
pais em relação aos seus filhos, ou seja, clientes das escolas.
Algumas dessas projeções são: os
jovens de hoje são mais evoluídos afetivamente, são mais preocupados com temas
sociais, mais tolerantes com o diferente, mais seguros com relação ao que
querem, menos submetidos à moral "imposta" pela sociedade, mais sensíveis
a desigualdade social, mais conscientes de uma alimentação equilibrada e, no
caso das meninas, mais autônomas, independentes e donas do seu corpo.
Algumas dessas projeções não são,
necessariamente, falsas.
O discurso da tolerância entre os
jovens aumentou de fato, principalmente no tema gay/lésbica/transgênero
(associado a questão "cada um é cada um").
A preocupação com a desigualdade
social também aparece, mas, principalmente, limitado ao campo das mídias
sociais ou intercâmbios caros pra cuidar de crianças sírias na Alemanha, claro,
aprendendo alemão junto e conhecendo jovens do mundo inteiro.
A realidade e o clichê não se
recobrem totalmente.
Segundo a pesquisa de Twenge,
nunca houve jovens tão infelizes na face da Terra. Consumidores de ansiolíticos
em larga escala, a iGen busca "safe spaces" nas instituições de
ensino a fim de não sofrerem com "frases" que causem desconforto
emocional. Se são cuidadosos com os riscos físicos, esse mesmo cuidado no
âmbito emocional indica a quase total incapacidade de lidar com a realidade.
Percebe-se facilmente que os
jovens, "cozidos" no discurso psi da "vulnerabilidade", vão
se tornando mais medrosos. Inseguros, morrem de medo de qualquer ideia que
coloque em xeque seus "direitos à felicidade".
O mundo não ajuda. Ainda mais com
essa gente que mente por aí dizendo que o capitalismo está ficando consciente
ou espiritual. Eles sabem muito bem que o mundo deles será pior: mais incerto,
mais violento, mais competitivo. A agonia com o futuro é crescente.
Se esses jovens desconfiam do
mundo, têm razão em fazê-lo. Muitos pais e professores optaram por um discurso
infantil, muitas vezes querendo "aprender" com os mais jovens -quando
deviam apenas pedir ajuda com o iPhone.
Fazem menos sexo, ao contrário do
que o blá-blá-blá da liberação sexual diz até hoje. Têm medo de contato físico
e veem em tudo a ameaça de assédio sexual. A simples demonstração de desejo é
assédio.
Pensar em ter filhos, jamais! Filhos, como eles, custam caro, duram muito e
nunca querem virar adultos. Melhor cachorros e gatos.
Folha de São Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário