CONFIANÇA
Ter ou merecer?
20/09/2013

O que determina a estabilidade social?

Ainda que sociedades permanentemente estáveis não existam, sabemos que algumas sociedades são melhores que outras. Então, o que determina essa diferença? Capitalismo, socialismo, menos corrupção, menos violência, enfim: qual o caminho? Pelo que lutar?

Para explicar como cheguei às minhas conclusões e, possivelmente, ajudar na compreensão dessas conclusões, preciso fazer um pequeno retrospecto:

Tudo começou com uma grande explosão...
... quando eu era jovem achava que a política era uma coisa sem interesse, como acho que é normal nessa fase da vida. Acompanhava o coro geral antiditadura por ser o que a turma esperava de mim e também por ser mais uma questão de defesa da liberdade do que uma opção política.

Quando comecei a pensar em política, ainda estávamos em plena ditadura militar e a “moda” era ser de esquerda, dessa forma comecei a ser esquerdista da mesma forma que me tornei corintiano: puro coração, sem nenhuma causa lógica ou racional[1].

Ocorre que, ao contrário da minha paixão corintiana, a minha opção ideológica precisava ser justificada e comecei a ler a respeito do assunto. Os óbvios: Marx, Prestes, Rosa Luxemburgo e outros não tão óbvios: Florestan Fernandes, Paulo Freire e assim por diante.

Dessa forma fui elaborando minhas ideias sobre o socialismo, mas continuava considerando essa uma discussão secundária, pois achava, como ainda acho, que a evolução da espécie humana passa mais pelo indivíduo do que pelos sistemas políticos ou econômicos.

Sendo assim, se não dava importância à cor do sistema na evolução da humanidade, por que mantive a tendência pela esquerda?

Além da “moda” que, em certo grau, passou com o fim da ditadura, acho que essa inclinação pelo revolucionário (meio ‘festivo’ é claro) se deve a uma visão um tanto “romântica” que tenho do comportamento humano.

Sempre vi com reservas o pragmatismo da visão de direita, baseada na premissa do gene egoísta que impele o homem a buscar resultados apenas quando motivado por interesses próprios. Como já comentamos, tanto o capitalismo como a democracia se baseiam, fundamentalmente, nesse conceito.

Isso não significa que o indivíduo não possa ser altruísta, mas que não somos altruístas de forma incondicional, ou seja: pensamos nos outros quando nossos interesses maiores estão satisfeitos, caso contrário lutamos por satisfazer aquilo que julgamos mais importante para nós.

Esses valores podem variar de pessoa para pessoa: para alguns pode ser riqueza e poder, para outros a defesa da família e dos filhos ou ainda a defesa de uma causa idealista. De qualquer forma, sempre defenderemos os nossos valores antes dos interesses do próximo, esse é o condicionamento a que nos submete o gene egoísta: primeiro a defesa do indivíduo, depois do grupo e, só ao final, da espécie.

Dessa forma o “direitista” é sempre um defensor do “cada um por si”, uma espécie de “laissez faire” que podemos modificar para o “live and let die”.

Já o militante de esquerda é, por natureza, um sonhador. Um idealista que se joga de corpo e alma na missão de salvar o mundo, arriscando-se a experimentar novas ideias e assumindo a responsabilidade pelas consequências. Sempre buscando, pela via da ação, um mundo mais justo e com menos sofrimento para todos, não só para os mais capazes.

A história

O fato é que as experiências que se desenrolaram ao longo da história lançaram outras luzes sobre essa questão. Hoje, como espero ter ficado claro no texto “LIBERDADE”, estou convencido que o gene egoísta é mais forte do que os ideais e, portanto, o socialismo que conhecemos não é viável.

Por outro lado, isso não impede que busquemos formas de organização que reduzam as desigualdades e o sofrimento.

Minha utopia seria o anarquismo, mas toda vez que penso nisso me lembro do conto ‘O banqueiro anarquista’[2] e deixo pra lá.

Desde muito cheguei à conclusão óbvia de que qualquer sistema funciona bem em uma sociedade evoluída, ou seja, onde as pessoas tenham alto grau de consciência e discernimento e, por outro lado, não há ideologia, lei ou polícia que dê jeito em uma sociedade em que essas qualidades não estiverem presentes.

Ao comparar os vários países do mundo que adotam o sistema capitalista e democrático, com aqueles onde se implantou o socialismo totalitário, da época da União Soviética e da China de Mao Tse Tung, por exemplo, verificamos que o capitalismo democrático não parece nada ruim.

Eu tive contato estreito e diário com um fugitivo da “cortina de ferro”, que morou em minha casa por um ano. Manol Petkov, ex-colega de trabalho e amigo, búlgaro, uns 10 anos mais velho que eu, abandonou mãe, irmão e família em seu país, porque não suportava a opressão de viver sem nenhuma liberdade e com as dificuldades de um regime de escassez de quase tudo.

Fugiu, arriscando tudo, ficou asilado na Itália e dali foi para a Suíça – devido a essa experiência sofria de um trauma que o perturbou pelo resto da vida.

Trabalhou na Suíça em uma empresa chamada ASEA, onde teve notícias do Brasil (essa empresa tinha filial por aqui) e de lá decidiu vir para o nosso país. Era uma testemunha viva do regime socialista totalitário em que passou grande parte da vida adulta.

Através da convivência com ele, a quem devo muito da minha formação profissional, pude ter uma ideia bastante boa de como era a vida nos países da ‘cortina de ferro’, como era chamado o bloco soviético, algo que deixava no chinelo a nossa repressão militar.

Na mesma época, anos 70 e 80, tive a oportunidade de conviver com dois engenheiros franceses, Mr. Lucièn Bridier e Mr. Bernard Gardin, o primeiro com mais de 60 anos e o segundo da minha idade. Eu era o único brasileiro da equipe e convivemos diariamente, durante um ano, viajando pelo estado de São Paulo em visita a instalações ferroviárias. Também trabalhei com portugueses, alemães e ingleses.

Através desses contatos pude ter uma ideia bastante boa de como era viver em países capitalistas democráticos, no caso, europeus. Aí, é inevitável bater uma dúvida e tanto: será justo criticar esses sistemas em que, pelo menos, a liberdade é preservada, permitindo aos indivíduos defender seus interesses bem como suas ideias sem sofrer excessiva repressão do estado ou da polícia?

Geopolítica

Vamos analisar como é o mundo hoje ou, pelo menos como era até a poucos anos, antes que a crise monetária mundial bota-se tudo abaixo, porque ‘onde falta o pão, todo mundo grita e ninguém tem razão’.

Partindo do Brasil, que será nossa referência (óbvia), vamos selecionar alguns países para análise:
  • O Chile, que é uma das experiências de capitalismo democrático mais bem sucedida da América Latina.
  • Os demais países da América Latina.
  • Os Estados Unidos.
  • O Canadá e a Austrália.
  • Um primeiro grupo de países da Europa Ocidental: Inglaterra, França, Alemanha e os países nórdicos.
  • Um segundo grupo de países da Europa Ocidental: Itália, Portugal/Espanha.
Estou, propositalmente, excluindo a África, uma vez que pouco conhecemos a situação desse continente, além de saber que existe ainda muita pobreza, com a prevalência numérica do negro, ainda primitivo, sendo explorado pelo branco ou não podendo participar da partilha das riquezas por não incorporar a cultura do branco, o Oriente Médio, que sabemos viver seríssimos conflitos ancestrais aparentemente insolúveis e extremamente complexos, a Arábia, com países muito atípicos, misturando monarquias socialistas baseadas na riqueza do petróleo, com ditaduras nacionalistas apoiadas por superpotências que, por seu lado, também representam um grande ponto de interrogação na política mundial.

Excluí também a Ásia que, com países em desenvolvimento como a Índia, que tem na pobreza quase um objetivo de vida, coisa muito difícil de entender, a China com seu capitalismo comunista impensável há algumas décadas, os países do sul da Ásia, com economias capitalistas peculiares como a Coréia do Sul, Taiwan, Singapura, Hong-Kong, limítrofes com totalitarismos como a Coréia do Norte, países de terceiro mundo como o Vietnã, enfim, uma loucura total. O país mais ‘ocidental’ desse bloco seria o Japão, mesmo assim tem uma cultura tão diferente da nossa que ficaria difícil estabelecer uma comparação.

Da mesma forma, excluí os países do leste europeu, que vem da experiência do socialismo totalitário da União Soviética, e que ainda não se podem caracterizar como democracias sólidas e bem desenvolvidas.

O mundo Capitalista Democrático

Podemos considerar que fizemos do mundo uma experiência capitalista democrática, uma vez que o socialismo totalitário está praticamente, senão totalmente, extinto, restando a Coréia do Norte e algo mais que nem saberia dizer (não me venham falar de Cuba!).

Então nós temos os capitalistas democráticos puros: Estados Unidos, por exemplo, a socialdemocracia, como a Alemanha e monarquias parlamentaristas, como Suécia e Holanda. O Brasil se inclui entre os países capitalistas democráticos, assim como os demais países da América Latina.

Cada um desses países exerce maior ou menor controle sobre a economia, na intenção de reduzir os desequilíbrios. Essas intervenções, ainda que temporariamente bem sucedidas, acabam por cobrar seu preço na forma de crises cíclicas. O sistema capitalista não convive bem com intervencionismos.

Ao comparar esses países e classifica-los pela qualidade das suas instituições, respeito às liberdades e ambiente para se viver, chegamos ao seguinte:
  • O Canadá e a Austrália: pouca interferência do estado na atividade econômica, mas com bons sistemas de seguridade social. São lugares em que parece haver boa organização social, grande equilíbrio, segurança para os indivíduos e instituições confiáveis.
  • O primeiro grupo de países da Europa Ocidental: Inglaterra, França, Alemanha e os países nórdicos: alguma interferência reguladora do estado, principalmente nas socialdemocracias, com bons sistemas de seguridade social. Apesar das diferenças culturais e vários graus de organização, têm um bom equilíbrio, segurança razoável e instituições confiáveis.
  • O segundo grupo de países da Europa Ocidental: Itália, Portugal/Espanha: estados que tradicionalmente exercem mais interferência na economia, mantendo bons sistemas de seguridade social. Têm uma desvantagem em relação ao primeiro grupo no que diz respeito à organização, mas ainda conseguem algum equilíbrio, segurança e confiabilidade das instituições.
  • Os Estados Unidos: praticamente nenhuma interferência na economia, com sistema de seguridade social mínimo. Organização social totalmente baseada na competição, entretanto com bom suporte à educação, permitindo razoável igualdade de oportunidades, culturalmente muito díspar, respeito às liberdades, mas com muitos conflitos entre classes, apesar das diferenças serem muitíssimo menores que as nossas, segurança discutível, porém com instituições ainda confiáveis.
  • O Chile: alguma interferência na economia, com sistema de seguridade social básico. Ainda lutando para superar as diferenças sociais, mas evoluindo muito bem, conseguindo já um ambiente com algum equilíbrio, segurança e confiabilidade das instituições.
  • Os demais países da América Latina: interferências variadas na economia, mas bem acima do desejável, com sistemas de seguridade social precários. Diferenças sociais extremas, experiências nacionalistas grotescas, pobreza, falta de educação, saúde, segurança e quase nenhuma confiabilidade nas instituições.
  • O Brasil: alguma interferência na economia, com sistema de seguridade social precário. Apesar de termos dois países em um, o Sul/Sudeste e o resto, deixo para cada uma fazer sua própria avaliação.
Compromisso

A vida em sociedade é muito complexa para o anarquismo com que sonhei, precisa de organização, de instituições que mantenham os compromissos entre os indivíduos dentro dessa sociedade.

Podemos notar que, as melhores sociedades para se viver, são também as que possuem instituições mais confiáveis.

Mas, o que são as instituições senão porta-vozes do ‘outro’ na sociedade. Confiar nas instituições pressupõe confiar no vizinho, no colega de trabalho, no patrão, no policial, no juiz, no governo e assim por diante, porque isso leva ao compromisso que conduz ao equilíbrio e à segurança.

Compromisso, o que é isso?

Competição é o fundamento da vida, a sobrevivência do mais forte, é o que nos impõe o gene egoísta, mas competição exige competência, não apenas força ou inteligência.

Seres gregários que somos, precisamos estabelecer laços com nosso grupo, compromissos.

Partindo da premissa de que capitalismo e democracia são baseados no individualismo, como as sociedades que analisamos anteriormente conseguiram uma consciência de coletividade?

Em uma palavra: CONFIANÇA!

Esse é o divisor de águas entre as sociedades ditas evoluídas, com elevada consciência social e as sociedades em desenvolvimento como a nossa. É a nau que nos leva à competência, através do compromisso.

Compromisso é uma viagem, a bordo da Confiança, rumo à competência![3]

Alguns causos para ilustrar o tema:

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A CESP tinha convênio com organizações de apoio a populações carentes, que mandavam jovens para trabalhar como aprendizes. Um desses rapazes, auxiliar de escritório de uns 14 anos, muito bonzinho, educado, prestativo, certo dia chegou todo feliz.

Ele tinha saído para ir ao banco e chegou falando que tinha ‘achado’ um cartão telefônico – naquela época eram novidade – com carga quase total.

Quando ele se aproximou eu perguntei: – Achou como?

– A mulher que saiu do orelhão deixou lá e eu peguei! – falou todo entusiasmado.

– Ué, você viu de quem era o cartão e não devolveu?

– Claro, tava lá dando sopa, por que eu ia devolver?

– Porque um dia pode acontecer com você! Você ia gostar se levassem seu cartão?

– Mas comigo acontece sempre e eu sempre fico no prejuízo...

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Muito tempo atrás, eu estava em um táxi e o motorista falava dos políticos, de como se elegem por interesse próprio, sem nenhum espírito público e, na época, estava havendo uma greve no metrô de Londres.

Eu aproveitei a oportunidade para fazer uma pegadinha:

– Meu caro, sabe que estão falando em greve no metrô? – Ele disse que não estava sabendo de nada. Claro, não havia mesmo nenhuma notícia sobre o assunto, eu tinha inventado na hora.

– Pois é, acho que vai ser bom pros taxistas, né? Como fica se não tiver metrô nem ônibus na cidade? – Perguntei.

– Ah, aí a gente lava a égua. Teve uma greve dessas que eu cheguei a levar 4 passageiros, tipo lotação, de Santo Amaro até a Bandeira, cada um pagando uma nota, corrida fechada, sabe como é? Foi muito bom!

– Veja você como são as coisas, está no jornal: em Londres os taxistas liberaram o taxímetro e estão transportando os passageiros de graça, em apoio aos grevistas do metrô! Quanta diferença, não?

Fez-se o silêncio no resto da viagem...

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Uma piadinha que ouvi não sei mais onde:

Se perguntássemos a um americano o que ele faria com um milhão de dólares, ele, muito provavelmente, desfiaria uma enormidade de ideias mirabolantes: criar uma nova indústria, inventar um novo produto, comprar uma fazenda etc.
Se fizermos a mesma pergunta a um brasileiro, certamente a resposta será:
– NADA! Com um milhão? Não faço mais NADA! Vou viver de renda, só no bem bom!


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A Confiança (ou a falta dela) é o tema principal dessas histórias: confiança no próximo, na sociedade ou no sistema.


Estou convencido que essa é a chave para uma sociedade saudável. Para agir bem é preciso contar com alguma coisa boa também, é preciso confiar.

Quem confia é confiável.

Confiança é uma coisa que se conquista na prática, não se ensina na escola.

Em primeiro lugar é preciso ter a clareza de que a Confiança é um sentimento de quem tem, não tem nada a ver com o objeto da nossa confiança.

Alguém poderá objetar: – Como confiar se aquilo em que se quer confiar não for confiável?

Sem dúvida! Para confiar, o objeto de nossa confiança deve merecer essa confiança, mas o único juiz desse merecimento seremos sempre nós mesmos, portanto, seja num caso ou no outro, quem confia é que faz uma aposta e é responsável por essa decisão.

O processo de conquista da confiança passa por ser confiável e, ao mesmo tempo, dar uma chance ao outro.

Temos uma herança cultural altamente prejudicial nesse sentido, tendemos a ser mais realistas que o rei, padecemos de uma hipocrisia de perfeição e de um chauvinismo que causaria inveja a um francês[4].

Talvez o grande ensinamento do capitalismo democrático seja esse, admitir essa condição de imperfeitos que somos, de que nossa confiança nem sempre será correspondida, bem como nem sempre corresponderemos à confiança dos outros, e enfrentar honestamente essa realidade.


Voltando à pergunta do título:
Confiança, Ter ou Merecer?

Eu acredito que a Confiança é a causa do equilíbrio de uma sociedade e não apenas o seu resultado.

É por isso que a distribuição de renda deve vir antes mesmo da educação, porque o dinheiro é o maior símbolo de compromisso em uma sociedade[5], é o que dá dignidade ao homem, faz com que ele aumente sua autoconfiança e estimula a busca de melhores condições.

Por esse motivo todas as sociedades que atingiram algum grau de equilíbrio, no ambiente capitalista baseado na propriedade privada, começaram seus processos de formação pelo estabelecimento de uma relação de confiança, iniciado por uma distribuição de terras.

Na época em que essas sociedades se formaram, quero dizer nas bases em que funcionam hoje, há cerca de duzentos anos, o modo de vida ainda era predominantemente agrário e a propriedade de terra era o que determinava a liberdade do homem.

A partir desse primeiro passo, dado por iniciativa de uma liderança política com grande visão de futuro, estabeleceram-se as condições para que todos, ou pelo menos a maioria, tivessem oportunidades similares de produzir riqueza. Com isso desenvolveu-se um clima de respeito entre ricos e pobres, a partir da convicção de que a acumulação de riqueza se devia quase exclusivamente à competência do indivíduo, o que era admirado por todos e não execrado como injustiça.

Sempre houve exceções, exploradores, conflitos entre trabalhadores e capitalistas, como há até hoje, mas não a partir de um sentimento generalizado de conflito de classes e sim entendido como conflito entre indivíduos ou grupos com interesses opostos.

Uma era que já era!

Hoje a situação não é tão fácil de resolver porque as condições para produção de riqueza ficaram muito mais complexas, principalmente devido à especulação financeira. Por exemplo: distribuir terras hoje não representa, necessariamente, dar condições ao indivíduo de produzir riqueza, uma vez que, eventualmente, vender essas terras mostra-se menos arriscado do que se expor em uma atividade em que a competição chega a ser desleal com o pequeno produtor. O agronegócio e a agroindústria dispõem de uma capacidade de investimento e de produtividade impossível de ser atingida por um pequeno agricultor, ainda que com apoio estatal.

Quando criticamos um sem-terra por vender seu lote para um especulador, como se ele fosse o próprio especulador, estamos sendo muito simplistas. Claro que distribuir terras para estimular especulação não é aceitável, mas o fato é que isso ocorre porque o processo não é adequado, não por improbidade do indivíduo, mas porque ele se vê quase que forçado a fazer o que faz.

Além disso, a população se urbanizou e a economia se tornou fortemente industrializada, transformando a distribuição de renda um desafio extremamente complexo.

Precisamos encontrar novas fórmulas para equiparar as oportunidades dos menos favorecidos em relação à elite econômica, uma vez que a disparidade atingiu um nível em que a mera distribuição de riqueza não permite um real aumento dessas oportunidades.

Inferioridade? Assunto complexo!

É fato que não podemos fazer frente ao poderio militar dos Estados Unidos, nem à pujança econômica da China.

Também não temos a história ou a cultura da Itália, ou a inventividade da Coréia do Sul.

Aí você pensa: – Só falta ele dizer que ‘está tudo bem, o que importa é ter saúde’ (e o pior é que nem isso podemos dizer)!

Pois é! É desse sentimento que estou falando. Vemos nas qualidades dos outros o padrão do que é bom e nem mesmo sabemos quais são as nossas qualidades. E sabe por quê?

Porque estamos viciados e condicionados a pensar desse jeito, com isso tentamos copiar as experiências dos outros ao invés de buscar descobrir o que sabemos fazer melhor deixando de lado essa comparação patológica com padrões inalcançáveis.

Não se trata de um problema individual, nosso problema é cultural.
Dizer ‘este não é o meu país’,
fugindo da luta com um poema,
pode ser bagual para quem diz,
mas não resolve nosso problema.

Repare agora nas suas próprias atitudes! Perceba como, ao pensar nas questões aqui colocadas, há uma tendência a pensar no outro, nunca em nós mesmos.

Talvez nossa convicção de que nada aqui dá certo, de que nossa polícia não é confiável, nossos políticos e juízes são corruptos, nosso governo é incapaz ou mal intencionado, não seja, necessariamente, baseada em fatos, mas, principalmente, em certo complexo de inferioridade.


Complexo, sim! No fundo temos sérias dúvidas se somos confiáveis, o que nos deixa inseguros para confiar. É um círculo vicioso.

Não digo que os problemas não existem, é claro que estão aí e precisamos lutar para corrigi-los, mas a questão é de atitude, precisamos acreditar, pelo menos, que podemos corrigir.

Uma das coisas que sempre me chamou a atenção nos Estados Unidos é que lá coexistem as melhores coisas do mundo com as piores e os próprios americanos são os maiores críticos de suas mazelas, mas nunca perdem a pose.

Que futuro queremos de presente?

Infelizmente, vivemos uma época de falência da confiança, não só aqui, mas no mundo inteiro.

Alguém disse que as ideias estão no ar e que as captamos quando estamos sintonizados. Assanje e Snowden apenas agiram em sintonia com os sinais vindos de todos nós: insegurança e desconfiança crescente, quando se propuseram a expor os mecanismos do poder pelo lado de dentro, com sua cara monstruosa por trás da máscara de defensores da liberdade e da segurança.

O vandalismo presente nas manifestações de rua não se deve a simples irresponsabilidade de alguns, são resultado de um sentimento de que as coisas não vão bem e que não são pequenas reformas ou ajustes aqui e ali que resolverão o problema. É contra esse estado de coisas que surgem os Black blocs, por exemplo.

As revelações dos segredos e da espionagem de estado promovidas pelos nossos heróis apenas vieram acirrar ainda mais esses sentimentos.

Talvez seja mesmo necessária uma ruptura nas relações para estabelecer um novo pacto social em bases mais consistentes, não só em casos como o nosso, mas em todo o mundo capitalista democrático, afinal estamos assistindo manifestações de descontentamento em toda parte do planeta.





[1] Só para constar: para os mais conservadores ou simpatizantes da direita, lembro que, em sua grande maioria, o são (de direita) porque a “moda” do pós-guerra era idolatrar os EUA e suas doutrinas anticomunistas da guerra fria – “allora, la stessa roba”.
[2] Fernando Pessoa
[3] Compromisso, o que é isso? É uma viagem, a bordo da Confiança, rumo à competência!
Essa é mais uma provocação do Lincoln – aquele do SenSar. Não é sem motivo que ele era o ‘provocador’ da nossa trupe.
[4] Quando trabalhei com os franceses, eles ficavam impressionados com o fato de que tudo que eles pegavam tinha a frase: Made in Brazil, e diziam: – Por que tudo aqui tem que ser brasileiro? Vocês não importam nada?
[5] Um simples pedaço de papel ou metal sem valor (hoje apenas um cartão de plástico) é aceito por todos como suficiente para selar qualquer transação material (e, às vezes, mesmo as não materiais).

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