Segue a Parte II deste quinto


 








Versão DemimPro6 de Podcast


A transcrição completa está na sequência.

CONVICÇÕES

Livre pensar!

Será?

 01/03/2022

Este era pra ser um Pádaqui curto e reto, apenas para colocar certas convicções em seus devidos lugares, mas acabou que ficou maior do que esperava, então vamos ter uma terceira parte.

Os convictos – que eu prefiro chamar de crentes – acreditam que são os donos da verdade e, principalmente, que sabem o que é a verdade.

Acham também que são livres e, se pensam o que pensam, foi por uma escolha individual e consciente.

E isso não depende de inteligência, educação ou informação, a convicção se forma muito abaixo do nível do ego, ou do eu consciente, e se origina da mesma forma que sentimentos ou intuições. Isso vale para todos, não apenas para os convictos, a diferença está em como se lida com o ego.

Meu objetivo é questionar essa convicção, começando por uma especulação de como se forma o chamado senso comum.

A onda de negacionismo e fanatismo religioso que vem assolando o mundo já há algum tempo, poderia ter sido prevista, se percebêssemos que confundimos o senso comum com o conjunto de ideias estabelecido entre formadores de opinião que, mesmo influenciando uma camada muito pequena da população mundial, da ordem de 1 a 2% do total, define tudo que consumimos culturalmente, seja nas escolas, nas mídias convencionais, nas artes etc. Isso produz uma percepção amplificada, dando a impressão de que essas ideias são as dominantes em toda a população.

Eu já dizia, no prefácio do DeMimPro6 – Vol. I (2010), que “vejo a humanidade como algumas pessoas, poucas, que preservam integralmente sua liberdade de seres humanos, cercados por uma horda de súcubos”.

Isso não é bom nem ruim, não se trata de uma crítica, muito menos de uma lamentação, é apenas como vejo a humanidade e acho importante esclarecer isso, para contextualizar minhas ideias.

Acreditou-se por décadas que o senso comum era cientificista, globalista, ambientalista, espiritualista e socialmente ativista e tudo que contrariava esse senso comum era exceção e devia ser combatido.

O que ocorre é que o senso comum é alguma coisa pouco clara para quem embarcou nessa viagem cultural pré-fabricada, ou seja, quase todos nós.

O verdadeiro senso comum, se considerarmos que senso comum é aquele que é comum à maioria das pessoas, começou a encontrar eco com o advento das redes sociais, por incrível que pareça, o ambiente mais democrático que existe.

A realidade que vivemos, tem sido condicionada por uma cultura artificial, criada por esse 1% da população e imposta aos outros 99%.

No fundo, a base dessa cultura pré-fabricada é a mesma que sustenta o outro lado, das comunidades que contestam essa cultura, ou seja, a necessidade de aceitação que todos temos – em outras palavras, carência.

Essa é a base de toda sociedade humana, somos gregários, precisamos viver em grupos, ocorre que para que um grupo se forme é necessário que alguém tome a iniciativa, o que quer dizer que sempre haverá “pregadores” e seus “seguidores”.

Por que não acredito em “gurus” filosóficos – Cortella, Karnal, Pondé – ou religiosos – Padre Marcelo, Monja Coen – que fazem tanto sucesso entre a “elite pensante” (aquele 1%), que tem condições, principalmente financeiras, de consumir essa produção cultural?

Basicamente porque, se fazem sucesso, é porque falam o que as pessoas querem ouvir. Assim se formaram quase todos os agrupamentos humanos, principalmente as religiões.

Talvez se engane quem pensa que profetas, filósofos ou qualquer outro tipo de personagem, tenham provocado mudanças sensíveis em seu ambiente social, pode ser o contrário, que eles é que foram instrumento de uma evolução que já vinha sendo gestada no meio do grupo ao qual pertenciam.

Por que o Confucionismo não é popular? Afinal, mesmo na China, onde se originou, não passa de 25% da população.

Talvez por ser uma filosofia que não oferece nada para proteger o indivíduo, nenhum deus, nenhuma virgem imaculada, nenhum santo, nenhuma vida após a morte, nenhum paraíso, enfim nada, a cada um cabe a defesa de suas necessidades e o respeito às necessidades dos demais para sua sobrevivência e a sobrevivência da sociedade em que vive.

Não estou defendendo lado nenhum, apesar de ser francamente adepto de uma visão mais aberta e livre, livre principalmente dos medos existenciais, meu único objetivo é tentar entender a essência do fenômeno.

Aqui é importante fazer um parênteses, os chamados “negacionistas”, assim denominados pelos fiéis seguidores da cultura aparentemente dominante, são aqueles que demonstram inconformismo, mas eu acho que podemos, da mesma forma, chamar esses outros de “afirmacionistas”.

Os primeiros sendo os que negam explicitamente a ciência, os segundos os que “afirmam” a ciência no discurso, mas só até onde isso atende sua visão de mundo.

Na terceira parte deste Pádaqui continuo esta discussão.  

O senso comum aparente é tão convincente que se perguntarmos à maioria do povo brasileiro com que nação ele melhor se identifica, ele vai dizer “Estados Unidos” e não há nada menos identificado com a nossa cultura do que a cultura americana.

É espantoso como a massificação da propaganda americana, consegue iludir quase todo o planeta, de que eles são o modelo de civilização a ser seguido e como a maioria das pessoas se sente identificada com o “american way of life”, sem ter a menor ideia do que isso seja.

Uma comparação rápida deixa claro nossas incongruências, visto por uma perspectiva histórica e abrangente:

·     na cultura americana a posse de armas de fogo pelos cidadãos é quase sagrada, a nossa é francamente desarmamentista;

·     a cultura americana é da violência e beligerância, a nossa é pacifista;

·     a cultura americana é radical na discriminação e na xenofobia, a nossa é muito mais tolerante;

·     a cultura americana é da obsessão pelo trabalho e pelo dinheiro, a nossa é da indolência e do desapego;

·     a cultura americana cultua o sucesso e a riqueza, na nossa qualquer pessoa que tenha sucesso ou seja rico é alvo de suspeitas;

·     a cultura americana é carola, a nossa é irreverente;

·     os esportes de massa nos Estados Unidos, são o futebol americano, que eles chamam de football e que se joga com as mãos, o baseball e o basketball, e os campeonatos mundiais deles são só deles, por aqui o esporte de massa é o futebol, que eles chamam de soccer e, se puserem a mão na bola é falta.

·     nos Estados Unidos, a estrutura familiar é bastante esgarçada, com altíssima incidência de divórcios, filhos separados de um ou dois pais e idosos internados em instituições, no Brasil temos uma forma mais tradicional de família, ainda que a precarização da vida de muitos, não garanta essa tradição.

É bom frisar que são diferenças muito justificadas, considerando a formação das duas nações, a primeira se originando da necessidade de estabelecer uma nova sociedade, resultando em uma nação republicana, a segunda baseada na exploração dos recursos, pura e simplesmente, resultando em uma cultura patrimonialista.

Apesar de começar a surgir, aqui e ali, algumas manifestações que poderiam ser comparadas à cultura americana e, como disse antes, a precarização da vida, devido à pobreza e a carências diversas, mascarar nossa cultura tradicional, ao observarmos o conjunto da sociedade brasileira e suas manifestações históricas, nossas diferenças em relação à cultura americana são comparáveis às que notamos, por exemplo, entre nossa cultura e a chinesa.

Nossa relação com os “states” está bem exemplificada na disputa entre Macunaíma e o gigante Piaimã, pela Muiraquitã.

Não por acaso, a onda reacionária atual começou exatamente nos Estados Unidos, resultado de sua cultura radical.

Enquanto estava preparando este Pádaqui, o Putin invadiu a Ucrânia e eu não podia deixar de comentar.

Ainda que o Putin seja mais um dos personagens dessa onda populista de direita, tem algumas particularidades que o diferenciam totalmente dos demais. Pra mim, se trata de um megalômano que tem como objetivo reconstruir o império russo e acabar com a ordem política vigente no chamado mundo ocidental, principalmente destronando os Estados Unidos e não me surpreenderia se algum historiador o apontar como o provocador dessa onda.

Na verdade ele vem se aproveitando de toda essa situação e manipulando várias forças políticas no mundo, para seu próprio projeto.

Importante lembrar que esses líderes de direita, como no passado, não tem muita facilidade de fazer coalizões, já que cada um tem suas próprias aspirações nacionalistas, por outro lado, desde o fim da 2ª guerra, nunca tivemos lideranças tão débeis no chamado “ocidente”, ou entre os países democráticos, incluindo as organizações multilaterais, como ONU e mesmo a OTAN.

A globalização econômica e interconexão digital, criaram um ambiente em que qualquer retaliação sobre um governante como o Putin, gera tantos danos ao resto do mundo, que se tornam impraticáveis.

Como na piada do jacaré que pula dentro do barco do pescador, se me perguntarem o que fazer, eu respondo como o pescador: - Nada, a decisão agora é toda do jacaré!

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