Nesta nova proclamação da república, vamos falar sobre escapismo?
Não, nada a ver com a especialidade de Houdini, o célebre
ilusionista americano, falo de uma patologia social derivada de nossa
insegurança ancestral, tão bem traduzida pelo mito do fruto proibido. Mesmo
sabendo que essa necessidade de conhecimento nunca vai ser totalmente
satisfeita, nos arriscamos até a perder o equilíbrio na busca de respostas.
Sempre falei que a humanidade não consegue viver muito tempo
sem guerras. A grande guinada que estamos vivenciando atualmente, do mundo da
harmonia, globalização, diversidade, sustentabilidade para uma realidade de
conflitos, terrorismo, migração em massa, intolerância, xenofobia etc. é um
sinal de que chegamos ao limite.
Essa ideia, muitas vezes repetidas, era mais um sentimento
do que uma opinião de fato, mas, pensando nos últimos acontecimentos aqui no
Brasil e confrontando com minhas convicções de sempre, cheguei a algumas
conclusões, ainda que, como todas, provisórias.
As religiões sempre tiveram um papel fundamental na coerção
de um desenvolvimento livre e efetivo da mente humana e, mais recentemente, o
trans-humanismo1 vem desempenhando cada vez mais esse mesmo papel
nestes tempos de sagração da ciência como o novo deus.
1 Trans-humanismo é um movimento intelectual que visa
transformar a condição humana através do desenvolvimento das tecnologias
disponíveis para aumentar consideravelmente as capacidades intelectuais,
físicas e psicológicas humanas.
Em ambos os casos não podemos responsabilizar essas
ideologias pelo embotamento que provocam, elas são fruto de uma necessidade
essencial desse bicho que chamamos homem.
Se, por um lado, a liberdade é o maior desejo do ser humano,
é, ao mesmo tempo, a coisa mais temida. Cabeça vazia é a oficina do diabo! Diz
o dito popular. A causa é essa esquizofrenia de querer muito algo que, ao mesmo
tempo, causa um pavor terrível.
Toda essa loucura obsessiva sobre como se quer, ou se deve,
ou se pode viver, em todos os aspectos possíveis e imagináveis, provocando
confusão nos indivíduos e nas sociedades, devem-se ao fato de termos que nos
preocupar quase exclusivamente com trivialidades. Nosso modelo de sociedade de
direitos é baseada na delargação de
quase tudo que é vital: segurança, saúde, alimentação, e uma infinidade de
outras coisas são deixadas sob a responsabilidade de “especialistas” ou do
governo.
Claro que falo da parte "ativa" da sociedade,
afinal existem países inteiros que estão muito aquém desse processo, e mesmo
parcelas enormes da população de países como o Brasil, que, vivendo uma
realidade muito diferente das elites pensantes, mas com o poder do voto, acabou
surpreendendo grande parte dessa elite nas últimas eleições, em 2018. Na
realidade essa parte da elite é a parcela da população "dominada"
pela esquizofrenia Vem engano!
Recomendo o filme INSTINTO, com Anthony Hopkins e Cuba
Gooding Jr., uma excelente descrição desse conflito.
A filosofia clássica nos ensinou as bases de todo pensamento
racional, infelizmente não nos ensinou a "sabedoria", aquilo que, pra
além de entender que todo conflito humano vem da disputa entre o querer, o
dever e o poder, perceber a chave desse "desequilíbrio" necessário.
A cultura da elite dominante tem disseminado certos
conceitos como progressistas, considerando tudo que for contrário como
reacionário e - o que eles preferem - fascista.
O pensamento “progressista” pega uma carona nos movimentos
hippies dos anos 1960, ideias disseminadas por Marcuse, pregando a liberdade de
pensamento e comportamento, o fim da intolerância com esses comportamentos
“livres”, ainda que produzam, consciente e intencionalmente, uma violenta
intolerância com os considerados “intolerantes”.
Claro que é sabido o que está por trás dessa onda cultural e
já explicamos em outros textos porque essa ideologia pega tão bem entre os súcubos que representam uma parcela
significativa da população, mas não vou retomar essa discussão, quero apenas
tratar dos conceitos progressistas, como se fossem sérios, sem nenhuma quinta
intenção por trás.
A vida é a maior força do universo, isso me parece ponto
pacífico já que, sendo a entropia a força inexorável do nosso universo (não vou
entrar nessa dividida das dimensões possíveis), uma força que desorganiza tudo
levando sempre à condição de menor energia, e sendo a vida a única força que
consegue se contrapor a ela, organizando e persistindo nessa organização frente
a todas as adversidades, não pode haver dúvida sobre ela, a vida, ser o maior
poder do universo conhecido.
Toda organização social se baseia nessa mesma lógica, ou
seja, para que a sociedade exista tem que ser organizada, portanto deve
administrar os comportamentos para harmonizar a convivência, tendo como
premissa que os comportamentos individuais serão conflitantes e competitivos, o
que deverá ser bem negociado para que essa sociedade se mantenha coesa.
Pois bem, as ideias progressistas, na organização social,
tendem a defender a liberação cada vez maior dos indivíduos, mas sem nenhuma
preocupação com os mecanismos que manterão essa sociedade íntegra, como se isso
fosse natural e não precisasse de esforço consciente de organização. Defendem,
em última análise, o caos.
Me faz lembrar os sonhos de anarquismo que acalentei por
muitos anos de minha juventude.
Não fosse o trabalho persistente e permanente de ideólogos da
desestruturação do sistema, abrindo caminho para uma nova hegemonia cultural, essas
ideias nunca prosperariam, até porque, como disse antes, contraria todo o conhecimento
e a sabedoria acumulada pela humanidade até hoje. A irresponsabilidade é
tamanha que ninguém discute seriamente qual seria e o que fazer com essa nova
cultura.
Uma das frases que se tornou o carro chefe dessa estratégia
de desconstrução das estruturas sociais vigentes é: “O velho está desmoronando
e o novo ainda não surgiu!”
Essa ideia de que estamos vivendo um movimento natural,
decorrente da “evolução” da cultura, é vendida como se fosse espontânea,
entretanto é fácil notar que a grande maioria da população não compactua com
ela. Apenas os arautos do progressismo repercutem isso usando todo tipo de
amplificadores de seu discurso. O mesmo ocorreu nos anos 1960 com o movimento
hippie, que de espontâneo não tinha nada, foi fabricado pelos intelectuais da
escola de Frankfurt, com Herbert Marcuse
como o arauto da nova onda.
Quando, como no atual momento da vida política brasileira, a
democracia revela o total desalinhamento entre esse progressismo e a vontade popular, esses mesmos “guias” respondem com o discurso de que essa massa
reacionária está sendo dominada pelo estamento,
que se trata de pessoas desinformadas e incapazes de tomar decisões por conta
própria. Daí o paradoxo de defender a democracia, mas contestar todo resultado
que não seja favorável a eles.
Como abdicar da responsabilidade sobre o futuro, mergulhando
irresponsavelmente em um “novo” totalmente desconhecido e, pior, baseado na
satisfação das necessidades fisiológicas, no prazer e em tudo que sabemos ser
destrutivo e efêmero, além de levar a um estado de conflito, não eterno, posto
que não pode durar, mas que durará até o fim da espécie e pela forma mais
humilhante possível, por uma escolha voluntária dos seus indivíduos?
Isso contraria toda a sabedoria humana!
Não precisaria mais que isso para provar minha tese,
entretanto há um apelo muito atraente às mentes que se encontram livres por
estarmos vivendo uma fase de estabilidade prolongada, em que a maior crise que
o indivíduo tem é a escolha do modelo de smartphone
ou qual o melhor videogame.
Basta observar o fenômeno do cosplay2 nos Comic
Com da vida para perceber a enorme carência de motivação desses jovens, que
se dedicam de forma obsessiva ao culto dessas fantasias.
2 Cosplay é um termo em inglês, formado pela
junção das palavras costume (fantasia) e roleplay (brincadeira ou
interpretação). É considerado um hobby onde os participantes se fantasiam de
personagens fictícios, principalmente de videogames.
Obras populares de muito sucesso retrataram o estado de desespero
dessas gerações, como a BohemianRhapsody - clique para assistir - do grupo Queen, uma obra prima exaltando o drama do jovem daquela época.
Claro que, como tenho repetido constantemente, isso não
representa a maioria da população, mas caracteriza exatamente a parcela que
consegue amplificar suas ideias pelos meios de comunicação e se tornam os
formadores de opinião e de cultura.
São exatamente as populações objeto das preocupações dos
progressistas, as primeiras a se rebelar contra essas ideias. Eles vivem no
limite, para eles só convence a verdade do náufrago, não têm tempo para
diletantismos e elucubrações filosóficas.
Religiões e ideologias podem ter seu
valor como filosofias, conjuntos de conhecimento, mas quando exercem o seu
papel precípuo que é, indiscutivelmente, guiar seus discípulos por um caminho
estreito de conhecimento, não passam de escapismo, subterfúgios para não
encarar a enorme interrogação que se apresenta à nossa frente.
Não acredito
em ideias finais, elas, mais cedo ou mais tarde se revelarão falhas, prefiro
ser fiel às minhas dúvidas, elas sempre me darão pistas da trilha a seguir.
Nunca fui
fiel a pessoas de ideias ou a ideologias definitivas, sempre soube que em algum
momento elas iriam me trair. Como disse no DeMimPro6 – Vol. I,
tento ser fiel aos meus conhecimentos e aos meus questionamentos, eles são o
caminho.
Sempre
questionei a torcida do quanto pior melhor. Quando o Collor foi eleito, nosso
grupo, que tinha participado ativamente da campanha do PT, mostrava uma
tendência fortíssima para a desestabilização do governo, já nos primeiros dias
se falava em greves gerais, invasões etc. Quando eu percebi que sentiam certo
prazer em ver o circo pegar fogo, só porque o nosso candidato não tinha
vencido, percebi um forte indício que não queriam o melhor, na verdade estavam
dominados por lideranças visivelmente irresponsáveis.
Ali começava
meu desencanto, me lembro da frase que criei em 1990, no aniversário de 10 anos
do PT: “Vamos verificar uma PMDBização
acelerada do PT, a partir de agora!” Claro que ainda não acreditava que as
teorias gramscistas do Chicão fossem dominantes, caracterizando o partido como
essa facção criminosa que conhecemos hoje.
A seguir
apresento uma análise da obra de Fernando Haddad, “Em defesa do socialismo”:
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