O paradoxo do intelecto
12/09/2025
Eu me interesso sobretudo pelo repensar que os avanços das ciências físicas e biológicas exigem!
Introdução ao pensamento complexo - Edgar Morin
Não é de hoje que tenho falado sobre a crise ideológica pela qual o mundo vem passando.
Desde a postura sectária e policialesca de grupos, passando pelo politicamente correto e chegando ao negacionismo.
Na minha opinião, compartilhada (😉) com os fundadores da filosofia, não pode haver evolução sem o compartilhamento do conhecimento - minha frase referência é "O conhecimento compartilhado é mais eficaz!”
O personagem Herbie de "A Meta" de Eliyahu M. Goldratt, escoteiro mais lento da tropa, que é colocado na primeira posição da marcha para que o grupo se mantenha unido, é uma boa metáfora para esclarecer esse conceito.
O avanço da ciência, aliás como toda acumulação de capital (conhecimento é um capital), tem sido promovido de forma extremamente concentrada na humanidade como um todo e, como no caso dos capitais financeiros ou políticos, protegido por todo tipo de barreira à sua disseminação.
Quando menciono barreiras não me refiro apenas às institucionais, como propriedade intelectual, patentes etc., mas principalmente as comportamentais, a arrogância comum a muitos que detém algum conhecimento.
Como em 1789 estamos vivendo a revolução dos desprezados, só que o motivo agora não é a fome, mas a contestação do tipo de alimento em discussão.
A ciência passa a ser o grande inimigo a ser combatido!
Afinal como aceitar que todas as crenças, principalmente as religiosas, fundamentadas no medo, que embasaram toda a construção social que deu sustentação à vida dos crentes, teria sido um erro colossal?
Seria aceitar, não só o erro em si, mas o fato de ter caído num verdadeiro "conto do vigário" - e sem trocadilho! Aceitar que, apesar de toda a convicção de sua liberdade, de sua independência, de seu poder, teriam, na verdade, sucumbido ao medo!
O medo é e sempre será o primeiro e o principal inimigo a enfrentar!
O fato é que o negacionismo é uma manifestação revoltada dos ignorantes que, de forma ostensiva, tem sido desprezados como seres inferiores.
Gosto de lembrar de um processo que vivi nos anos 80 do século passado.
Nessa época vivíamos, no ambiente profissional, o contraste entre os poucos como eu, que haviam mergulhado no aprendizado da informática e a maioria que via esse assunto como impenetrável.
Claro que eram profissionais com muita experiência em suas áreas, mas que começavam a ser menosprezados por suas dificuldades com a nova tecnologia, afinal ela começava a dominar os ambientes de trabalho.
Percebendo essa realidade, montamos, eu e um colega, um curso de tecnologia da informação dentro da empresa em que trabalhávamos, atividade paralela às nossas funções habituais, para todos os colegas do departamento.
Em seis meses treinamos mais de cem engenheiros e técnicos.
Pouco tempo depois, um dos participantes do curso, inicialmente dos mais resistentes, se tornou um especialista, passando a ser a fonte de consulta principal para todos nós.
Gosto de pensar que, ao escalar o buraco da ignorância em que sempre estaremos, temos que estender a mão a quem está abaixo, porque, eventualmente, ele nos ultrapassará e estenderá a mão para nós!
E o paradoxo do título?
Voltemos então ao foco do nosso assunto.
A impressão que temos é que nosso espectro de conhecimentos é amplo o suficiente para nossas necessidades cotidianas e isso acaba por ser verdade porque nossas expectativas normalmente – pelo menos para as pessoas razoavelmente equilibradas psicologicamente – são condicionadas pelas nossas capacidades, ou pelos nossos conhecimentos, ainda que a maioria de nós sempre esteja à busca da evolução, de novos desafios.
Entretanto o que chamamos de conhecimento é 10% conhecimento e 90% crença.
Desde princípios morais e filosóficos ou psicológicos que adotamos desde a infância, até conceitos científicos que poderão embasar não só discussões entre fãs de Jornada nas Estrela, discussões acaloradas em mesas de botecos, como embasar nossas escolhas profissionais e até, durante nossas carreiras, subsidiar nossas decisões, enfim quase tudo que chamamos de conhecimento é, de fato, crença.
Digo isso porque é fácil perceber que existem inúmeras correntes de pensamento muito diferentes entre povos e mesmo grupos sociais, como os religiosos e políticos, dentro dos quais há a mesma presunção da certeza.
Mesmo aqueles que se dizem tolerantes em relação ao pensamento alheio – que já se caracterizam como um grupo – tem seus limites e classificam como inadmissíveis certas posições e condutas.
Claro que aqui não vou entrar no mérito de cada uma dessas visões, não é esse o objetivo, apenas lançar uma ideia para reflexão, focando naquilo que é fora de discussão para cada um.
Vamos a algumas questões:
1 – O simples fato de existir um grupo significativo de indivíduos que pensam de uma certa forma não deveria ser suficiente para admitir uma possibilidade de que eles estejam certos?
2 – Nossas convicções mais profundas, aquelas que consideramos fundamentais e que, para nós, deveriam ser compartilhadas por todos, não seriam apenas mais uma possibilidade de acerto e não a verdade definitiva?
O que acredito (olha a crença até na linguagem coloquial) é que o ambiente em que nos desenvolvemos define esse conjunto de princípios e conceitos que consideramos corolários indiscutíveis, muitos dos quais não saberemos defender a não ser com a bagagem que nos foi fornecida no processo de nossa formação.
Já vejo alguns esbravejando que existem muitos motivos para acreditar no que acreditam, alguns poderão mencionar, no campo da ciência, a existência de uma comunidade acadêmica global zelando pela veracidade das informações científicas, ou o próprio processo científico, com todo seu arsenal de protocolos, outros dirão que alguns princípios de vida em sociedade são intuitivos ou demonstrados pelas várias experiências registradas pela história.
Não tenho a pretensão de mudar as convicções de ninguém, o que percebo e não posso negar é que a confiança é a base para essas crenças e aí tenho que reconhecer que aqueles que confiam em livros considerados “sagrados”, teorias de conspiração, às vezes muito bem construídas, ou qualquer outra bobagem (ops, caí na mesma armadilha que estou descrevendo) devem ter a prerrogativa de achar que estão certos.
Posso não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até a morte o direito de você dizê-las.
Evelyn Beatrice Hall
Tudo bem, já vi que tem gente questionando o porquê dessa discussão, já que não se vislumbra nada diferente no horizonte, ao que só posso dizer: Perché mi piace!
Foco e ambiente
Li informações científicas – nas quais confio e creio – sobre como funciona o sentido da visão e acho que serve como uma excelente metáfora sobre o paradoxo do intelecto.
Visão foveal é a forma mais precisa e detalhada de visão que temos — é como o modo "alta definição" dos nossos olhos.
A fóvea (ou fóvea centralis) é uma pequena depressão no centro da mácula, localizada na retina, com cerca de 1,5 mm de diâmetro, isso mesmo 1,5 mm de diâmetro.
É a região da retina onde a luz incide diretamente nos cones, sem interferência de outras camadas, o que maximiza a acuidade visual.
A percepção visual humana é frequentemente interpretada de forma simplista, análoga ao funcionamento de uma câmera que capta e registra passivamente a luz. No entanto, a neurociência moderna demonstra que a visão é um processo extraordinariamente ativo e reconstrutivo.
O cérebro não se limita a receber dados sensoriais; ele os sintetiza, interpreta e, em muitos casos, interpola informações incompletas para produzir uma representação contínua e coerente do mundo. A experiência de ver, portanto, é uma inferência complexa e uma "melhor estimativa" do cérebro sobre a realidade circundante.
O termo popular "imaginação", utilizado para descrever como o cérebro completa a imagem, corresponde, no campo da neurociência, ao fenômeno do perceptual filling-in ou preenchimento perceptivo.
Este é um processo onipresente pelo qual o sistema visual interpola informações em regiões do espaço visual onde elas estão fisicamente ausentes. Isso ocorre quase sempre que olhamos para o mundo, por exemplo, quando um objeto está parcialmente ocluído ou quando a imagem de um estímulo cai sobre o ponto cego.
Uma descoberta fascinante eleva a compreensão do preenchimento perceptivo a um novo patamar, sugerindo que o cérebro pode preferir as imagens que ele mesmo constrói em detrimento da realidade. Em um estudo da Universidade de Osnabrück, na Alemanha, foi pedido aos participantes para escolher entre duas imagens idênticas — uma real e uma "inventada" pelo cérebro para preencher um espaço cego. Surpreendentemente, os participantes mostraram uma tendência a escolher a imagem que seu próprio cérebro havia construído internamente.
Essa preferência pela construção interna, mesmo quando a realidade física é idêntica, tem implicações profundas sobre a natureza da percepção.
O processo de preenchimento perceptivo não é uma simples correção de falhas; é uma poderosa inferência interna que o cérebro utiliza para criar uma narrativa coesa do mundo.
O fato de que a mente pode considerar sua própria inferência mais real do que o estímulo físico demonstra a intimidade da nossa experiência consciente com as construções neurais.
Isso reforça a visão de que a percepção não é um registro passivo, mas uma narrativa dinâmica e confiável, construída a partir de dados sensoriais e informações prévias, que permite a nossa interação e sobrevivência.
O 'filling-in' visual e a inferência cognitiva
Ambos são manifestações do mesmo princípio cerebral de construção de coerência a partir de informações limitadas.
O filling-in visual e a inferência cognitiva não são fenômenos isolados. Eles são manifestações de um mesmo impulso cerebral fundamental: a busca incansável pela coerência e a minimização da surpresa.
O cérebro, como uma máquina de previsão, utiliza modelos internos para gerar sua realidade, preenchendo o vazio da entrada sensorial e da informação conceitual com o que é mais provável, garantindo uma experiência contínua e funcional do mundo.
Esta visão unificada oferece uma compreensão mais rica e integrada da natureza da cognição, fundindo a percepção e a compreensão em uma única e poderosa arquitetura.
Finalmente
O paradoxo é que, tendo um órgão extraordinariamente potente, como o nosso cérebro, com capacidade virtualmente ilimitada, onde podemos armazenar e processar múltiplas informações, transformando-as em conhecimento, não temos a mesma capacidade de transformar esses conhecimentos em sabedoria, claro, com raras e honrosas exceções.
Sempre presumimos que já sabemos o suficiente sobre o que estamos falando, quando na verdade 90% é invenção!
Tenho uma confissão: noventa por cento do que eu escrevo é invenção. Só dez por cento é mentira!
Manoel de Barros
Gostei especialmente das carinhas da tirinha! Mto bom! :D
ResponderExcluirOps percebi que postei anonimo.
ResponderExcluirGostei especialmente das carinhas da tirinha! :D