19/08/2025

O que pode ser considerado boas condições de vida?
- Conforto?
- Segurança?
- Liberdade?
- Saúde?
- Prazer?

Muito difícil definir quais aspectos são mais importantes para alguém sentir-se feliz! Será que a humanidade vem evoluindo no sentido de aumentar a felicidade em geral?

A partir do que nos contam os pesquisadores da história humana podemos tentar avaliar como isso evoluiu ao longo do tempo, começando da pré-história.

Analisar as condições de vida naquela época é quase impossível, considerando as informações disponíveis. Mesmo se buscarmos avaliar as condições de vida de sociedades que se mantém em condições primitivas, como os aborígenes da Austrália, tuaregues do Saara, inuites do Ártico, indígenas da Amazônia, entre outras, observamos condições de vida muito díspares, o que não permite afirmar, com algum grau de certeza, o nível de felicidade desses povos, povos que estariam em um estágio anterior às revoluções tecnológicas que definiram nosso modo de vida.

A própria definição de felicidade não será uma unanimidade, cada um pode ter uma percepção diferente desse sentimento.

Apesar de todas essas dificuldades, que reconheço inteiramente, arrisco afirmar que toda nova tecnologia levou a uma condição de vida pior no que tange à ideia de uma felicidade ampla.

Alguém poderia contrapor a essa afirmação a seguinte dúvida: Como então a vida melhorou tanto desde a pré-história até os dias de hoje?

Questão absolutamente pertinente, afinal as condições de conforto, segurança, liberdade, saúde e prazer, mesmo considerando a população em geral, parecem ter melhorado consideravelmente. Entretanto, pelas evidências históricas parece que essa evolução sempre esteve ligada a uma tomada de consciência das elites e não do desenvolvimento tecnológico. Esse sempre favoreceu as elites e promoveu o aumento da exploração dos trabalhadores.

Importante frisar que os relatos dos pesquisadores mostram que a conscientização das elites se deu mais em função da melhoria da eficiência da economia quando as condições de trabalho se tornavam mais aceitáveis, do que por preocupações humanitárias. Digamos que teria sido uma conscientização utilitária, mais do que humanitária.

Além disso tenho dúvidas se melhores condições de conforto, segurança, liberdade, saúde e prazer, itens que, de fato, melhoraram ao longo dos séculos, significam mais felicidade. Não sei até que ponto o stress e a ansiedade causados pela vida moderna afeta a felicidade a ponto de reduzi-la. Um bom exercício é imaginar a vida de um caçador coletor, recém alçado à condição de Homo Sapiens e compará-la à vida de um motoboy, morador de Paraisópolis.

Voltando ao tema, vamos entender como as tecnologias mais importantes para o chamado "progresso" humano surgiram e afetaram a vida da maioria.

A chamada segunda revolução agrícola, na Inglaterra do século XVII - a primeira foi em ~10.000 A.C. - levou à piora considerável da nutrição, muitas vezes constituída apenas de um mesmo cereal em péssimas condições, ao passo que há fortes indícios de que as populações que viveram antes disso, teriam uma alimentação muito mais rica e variada.

Provavelmente até houve um aumento da procriação e da longevidade, levando a um aumento da taxa de crescimento dessas populações, mas será que acompanhada por uma melhoria das condições de vida? Parece que, ao contrário, piorou e muito!

A revolução industrial, iniciada por volta de 1760, foi um dos mais cruéis períodos da humanidade, com jornadas exaustivas, em que trabalhadores, inclusive crianças, chegavam a trabalhar 14 a 16 horas por dia, em ambientes insalubres, fábricas sem ventilação, segurança ou higiene, baixíssimos salários, que mal permitiam a subsistência e a ausência total de direitos, afinal não havia leis trabalhistas ou proteção social.

Isso só começou a se alterar mais de meio século depois, com os movimentos Ludita (1811–1816), uma revolta contra a adoção das máquinas, consideradas responsáveis pela miséria da classe trabalhadora; Cartista (1838–1848), que exigia reformas políticas e direitos para os trabalhadores, o que resultou nas primeiras leis trabalhistas: o Factory Act de 1833 que limitava o trabalho infantil e exigia alguma educação e o Ten Hours Act de 1847, que limitava a jornada de mulheres e crianças (apenas) a 10 horas diárias.

Novos tempos, novas ideias? Nem tanto!

O bilinário Elon Musk (Tesla, SpaceX) já afirmou que “ninguém muda o mundo trabalhando 40 horas por semana”. Ele considera 80 a 100 horas semanais como aceitável para quem quer fazer algo “extraordinário”.

Jack Ma (Alibaba) tem defendido o modelo “996” na China: trabalhar das 9h às 21h, seis dias por semana. Costuma dizer que “sem esforço extra, não há recompensa extra”, embora tenha enfrentado críticas por isso.

E tudo indica que isso é só o começo, há uma corrente, já de algum tempo, que defende o retorno aos princípios da doutrina Friedman. Isso nos dá uma perspectiva de que futuro podemos esperar, lembrando que Milton Friedman, arauto desse retorno à barbárie social, foi agraciado por um prêmio Nobel em 1976, defendendo exatamente esse "liberalismo" selvagem.

A título de comparação é interessante notar que Adam Smith, considerado o pai do capitalismo, em A Riqueza das Nações, disse: “As pessoas do mesmo ofício raramente se encontram, mesmo para diversão e entretenimento, sem que a conversa termine em uma conspiração contra o público ou em alguma artimanha para aumentar os preços.

Já, na doutrina de Friedman, maximizar os lucros é considerado a principal e única responsabilidade social das empresas, desde que atuem dentro das regras do mercado livre, sem fraude ou engano. Ele argumentava que qualquer desvio desse foco — como priorizar causas sociais ou ambientais — poderia comprometer a eficiência econômica e a liberdade individual.

É muito provável que um movimento de conscientização novamente ocorra, mas é difícil prever quanto tempo isso vai levar.

Claro que, em tempos de IA, as mudanças tem ocorrido muito mais rápido, por outro lado, estamos em um momento planetário crítico, em que ocupamos praticamente toda a biosfera, atingimos uma população praticamente limite, principalmente se considerarmos que a sua distribuição não é uniforme, com regiões em que a densidade populacional ultrapassa qualquer limite de salubridade.

A situação da degradação do meio-ambiente está próxima ou já atingiu um ponto de não retorno, em que, mesmo com a interrupção dos danos, a regeneração já não será possível.

Além disso temos arsenais destrutivos extremamente poderosos, nucleares ou não, na mão de líderes absolutamente imprevisíveis.

Não me arrisco a fazer qualquer tipo de previsão, afinal a própria discussão das possibilidades leva a alteração dos rumos das mudanças, o que me parece quase certo é que a tecnologia não será o instrumento de melhoria da qualidade de vida ou do aumento das nossas chances de sobrevivência no planeta, só a conscientização, utilitária ou não, pode representar alguma esperança.

Eu nasci há dez mil anos atrás.
Eu vi as gerações inventando novas tecnologias só pra cometer os mesmos erros das gerações passadas!



 

 

11/08/2025

Circunstâncias II

Em Circunstâncias mencionei essa revolta crescente contra toda a ordem política global construída desde a II Guerra Mundial, e que isso parece ser um movimento sem volta.

Mencionei ainda que a cada dia vemos mais e mais pessoas, algumas bem próximas, apoiando o que para muitos de nós é uma verdadeira insanidade.

À medida que aumenta a tensão entre o presidente Trump e o governo brasileiro[i], percebo que o medo vem dominando cada vez mais corações e mentes e, mais do que isso, vamos perdendo nossas referências, construídas em décadas de formação.

O atual momento, ainda no início do segundo mandato do presidente Trump, se mostra como o auge dessa desconstrução, quando as entidades de representação internacional e as instituições em geral perderam sua característica de zona de segurança, de uma força acima das pessoas, capaz de aplacar os ânimos de quem descumprisse suas determinações.

Ora, o que nos faz agir como uma sociedade coesa é a confiança que, nas sociedades atuais, gigantescas e complexas, se concentra exatamente nessas instituições.

A democracia, ainda que apenas uma ideia, já que os regimes existentes têm muitas imperfeições, nos tem dado pelo menos a sensação de segurança, a tranquilidade de que teremos sempre algum foro em que poderemos confiar para dirimir quaisquer contendas.

À medida que as ações das maiores lideranças do mundo desafiam todos os conceitos que vinham sendo consolidados desde 1945, essa segurança/confiança desmorona.

Eu sempre disse que a única cola que une uma sociedade é a confiança, quando ela está abalada os indivíduos começam a agir movidos pelo sentimento de autopreservação, além de ficarem cada vez mais sujeitos ao efeito de manada.

A sensação de que, de repente, não teremos a quem recorrer, que estamos sendo jogados sós em uma selva para a qual nunca fomos preparados, vai nos tornando presas fáceis para falsos líderes, políticos ou religiosos, podendo ser tanto visionários inconsequentes, como, mais provável, oportunistas buscando vantagens para si e para seus grupos de interesse.

É o momento em que safardanas se tornam crentes e alienados se tornam virulentos defensores de ideologias que nem sequer entendem.

Toda sociedade tem sua parcela de marginalidade, que não é nada mais do que a parte da população que, por algum motivo, não se considera representada pelas instituições oficiais, preferindo correr os riscos da ilegalidade a se submeter à ordem instituída.

As atuais circunstâncias estão tornando cada vez mais pessoas revoltadas com o status quo e, nesse sentido, sentindo-se marginalizadas e dispostas a tudo para retomar o que acham que será o controle e a ordem.

Essa é a receita para o caos, resultando em eventos como o 06/01/2021[ii], o 08/01/2023[iii], as 30 horas entre 05 e 06/08/2025[iv], todos resultados de uma fermentação gradual da percepção de que as instituições estariam falidas e não teriam mais o poder de coibir esses movimentos.

Como isso vai evoluir é impossível prever, uma vez que o comportamento das massas afetado por esse aumento contínuo da quantidade de pessoas desalentadas e de lideranças erráticas e desprovidas de bases conceituais sólidas, ambos são imprevisíveis, entretanto, é de se esperar que essa turbulência não perdure por muito tempo, exatamente por sua carência de lógica, embora possa causar considerável destruição durante o período de transição.


Todo problema ruma para uma solução, com ou sem a nossa ajuda, a questão é que nem sempre essa solução nos agrada.

Você está satisfeito com as soluções que seus problemas têm encontrado?



[i] Vale um comentário sobre a atuação do Lula nesse processo. Considerando que do outro lado temos uma pessoa inconsequente com o maior arsenal do planeta e, pelo menos aparentemente, sem freios internos para regular suas decisões, me parece que o Lula, ainda que a defesa da soberania nacional seja inegociável, está inflamando o discurso além do razoável, mais para auto promoção do que no rumo de alguma solução.

[ii] O ataque ao Capitólio dos Estados Unidos ocorreu em 6 de janeiro de 2021, pelos partidários do então presidente Donald Trump por ele convocados a se reunirem em Washington, D.C. para protestar contra o resultado da eleição presidencial de 2020.

[iii] O dia 8 de janeiro de 2023 foi marcado por ataques às sedes dos Três Poderes em Brasília. Manifestantes invadiram e depredaram o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal.

[iv] Parlamentares do PL e de outros partidos de oposição ocuparam a Mesa do Plenário Ulysses Guimarães, exigindo atendimento a suas pautas, principalmente em defesa do ex-presidente Bolsonaro e seus apoiadores.


 

04/08/2025

Circunstâncias

Ao tomar conhecimento de alguma atitude ou comportamento reprovável, ou que julgamos reprovável, é normal adotarmos uma postura crítica, quando chegamos a julgar o autor da tal atitude ou comportamento.

Nessas ocasiões é importante exercitar nossa autocrítica, tentando nos colocar na situação apresentada e tentar analisar como reagiríamos em condições semelhantes.

Essa postura, se praticada com honestidade, poderia evitar muitos dos conflitos que percebemos nos últimos tempos, principalmente quando o tema é política.

É claro que as circunstâncias influenciam e podem até determinar o comportamento.

Cada um de nós tem um limite para começar a relevar princípios e códigos morais. Basta imaginar como nos comportaríamos em situações extremas, como as de guerras, extrema pobreza, doenças extremamente debilitantes etc.

É claro que, ao fazer isso sempre tenderemos a acreditar que manteríamos nossa fidelidade em qualquer circunstância, mas o fato é que só poderíamos ter certeza disso se experimentássemos a situação proposta. A capacidade de aceitar essa dúvida é que vai determinar qual será a nossa capacidade de tolerância em relação ao outro.

A discussão mais reverberante dos últimos dias é a relativa às sanções do ditador americano[ii] - duas palavras que a gente nunca imaginou juntas - aplicou ao nosso país, causando justificada indignação a todos nós.

Além disso, vemos uma parcela da população, muitos próximos a nós, apoiando toda essa insanidade, inclusive participando de manifestações públicas. Isso faz pensar!

Nessa tentativa de buscar as razões por trás de toda essa loucura, logo de cara percebi que não são razões, mas emoções.

Muito já discutimos sobre essa revolta crescente contra toda a ordem política mundial construída desde a II Guerra Mundial, isso parece ser um movimento sem volta, ou seja vamos até algum fundo de poço, para só então começarmos uma reconstrução, espero que não só com paus e pedras.

Isto posto, quero fazer um comentário sobre as atitudes do nosso governo e do Xandão, como eles gostam de chamar.

Era claro que os Estados Unidos, vendo seu declínio avançar inexoravelmente, aliás iniciado na década de 80 do século passado, quando houve a invasão comercial dos automóveis japoneses no mercado norte-americano, não iriam assistir impassíveis a sua queda. Isso associado à revolta latente na população mundial, não apenas nas terras do tio Sam, resultou no fenômeno Trump, que como está claro é absolutamente inconsequente, agindo por puro impulso.

Vamos lembrar que esse Titã econômico também é a maior potência tecnológica e militar, além de ter um perfil altamente bélico e dominador - não nos esqueçamos de 64, mesmo sob o governo do democrata Lyndon Johnson.

Ora, todos os fatos que elenquei acima eram de conhecimento público, fazendo parte não só de discussões de alto nível, tendo resultado em alguns prêmios Nobel - alguns dos livros que li recentemente são desses premiados - como até de animados debates de botequim.

Ainda assim, aceitamos entrar em um bloco cujo propósito básico é se contrapor aos Estados Unidos, propondo inclusive a criação de uma moeda para fazer frente ao dólar, além disso manifestamos apoio à Venezuela e ao Irã.

Por outro lado o STF anulou todas as ações da Lavajato, condenando inclusive o Juiz Sérgio Moro, visto mundialmente como o paladino da justiça, que havia colocado um ex-presidente na cadeia.

Como ato final, libertou e reabilitou o Lula.

Quanto ao Xandão, este avançou com a Constituição debaixo do braço usando todo o rigor da lei contra os insurgentes golpistas, incluindo nosso filhote de Trump, o Bolsonaro.

Lembram-se que falei que não são as razões, mas as emoções que comandam as sociedades, pois é, a partir dessa constatação fui resgatar memórias do passado, tempos de Ulysses - não o da Odisséia de Homero, mas o da Constituição de 88 - quando era do senso comum que certas coisas não se aplicam a políticos, mormente quando têm apoio popular.

Na época achava esses políticos um bando de picaretas, falsos e enganadores, agora fico pensando, será que eram sábios? 


[i] Seja fiel, mas honesto!

[ii] "O homem do castelo alto" e "O conto da Aia" alertaram para esse fenômeno


Estaria a sabedoria na razão direta da emoção?