27/08/2018
Entre os dois, um século.

A principal obra de Adam Smith, foi publicada pela primeira vez na segunda metade do século XVIII, a de Karl Marx, um século depois, na segunda metade do século XIX. Todas as premissas de Adam Smith eram aceitas por Marx, não é à toa que sua obra mais importante se chama “O Capital”.

É importante salientar que ambos eram cientistas e filósofos, não políticos, ou seja, suas teorias eram e continuam sendo discutidas e utilizadas em toda a pesquisa sobre teoria econômica no mundo inteiro, despidas de qualquer viés ideológico.

A utilização política das ideias defendidas pelos dois é eivada de desvios e mesmo de erros crassos.






A principal desvirtuação das ideias de Adam Smith é a que diz respeito à concentração de riqueza natural nas economias mais liberais, tentando atribuir a ele a ideia de que o liberalismo resolveria todos as injustiças por obra da “mão invisível” do mercado.

Primeiro, não vem ao caso quais eram as preferências políticas de Adam Smith, o que é muito fácil de constatar ao ler sua obra é que a sua teoria tentava e conseguiu, diga-se de passagem, esclarecer os mecanismos pelos quais o mercado funciona. As frases destacadas no início deste ensaio demonstram muito claramente sua preocupação com as consequências desse fenômeno.



Mal comparando, o trabalho de Adam Smith se assemelha ao de Darwin. Darwin não propôs como as espécies deveriam evoluir, apenas observou como esse processo ocorria.

Marx, ao contrário, desenvolveu uma teoria de como as coisas deveriam evoluir.

Mal comparando, se assemelha à teoria da relatividade de Einstein, algo previsto matematicamente, mas que carecia de comprovação à medida que as pesquisas fossem avançando.










Das principais premissas de Marx, apenas a primeira continua sendo aceita: Só a economia de mercado propicia um ambiente propício ao desenvolvimento com estímulo à produção e à inovação.




Todas as demais foram paulatinamente sendo desqualificadas pela evolução da ciência econômica:
· O capitalismo chegará a satisfazer todas as necessidades humanas.  

A partir da segunda metade do século XX, principalmente a partir dos anos 80, as teorias econômicas foram demonstrando o caráter emocional do comportamento econômico das pessoas, seja em relação ao seu comportamento passivo ou ativo nos processos produtivos. Lembrando que cada um de nós atua nos dois lados dessa equação, ora trabalhando, ora consumindo.          

Essa constatação aliada às pesquisas do comportamento de consumo, deixaram claro que não há limites para as “necessidades” humanas. Assim que conseguimos algo que desejávamos muito, imediatamente transferimos nosso desejo para algo maior, melhor ou só mais caro.  

A psicologia e as neurociências demonstraram que a sensação de satisfação é sempre relativa e não tem nenhuma relação com o que temos, só com a necessidade de ter cada vez mais.

· Quando chegar esse momento a tensão entre capitalistas e proletários será insustentável.          

O fato é que, até em função das advertências que já haviam sido feitas por Adam Smith, as economias mais desenvolvidas foram incorporando políticas de distribuição e proteção social – algumas até excessivas e deseducadoras, como o Welfare State – que aliviaram quase totalmente essas tensões. A instituição de sistemas de seguro desemprego, previdência social, saúde e educação públicas, são exemplos dessas políticas, inclusive com a implementação de políticas de renda mínima em países mais desenvolvidos. Hoje se verificam mais tensões religiosas e raciais do que de classe.

· O socialismo manterá as conquistas do capitalismo.       

Aqui, na minha opinião, o maior engano de Marx.           

Apesar de admitir que só em uma economia de mercado livre o desenvolvimento necessário para atender as necessidades do homem poderia ocorrer, ao desconsiderar os “por quês” desse fato, admitiu que a sociedade, sob a ditadura do proletariado e com a planificação da economia, poderia manter a produtividade da fase anterior.              

Como já é aceito pela maioria das teorias econômicas, o estímulo para a eficiência e a produtividade vem do fato de que o desenvolvimento se mostra ilimitado, como o próprio desejo humano, portanto a riqueza precisa do desenvolvimento para ser criada.





É universalmente aceito, por marxistas ou não-marxistas, que as experiências conhecidas do socialismo real se deram contrariando as premissas básicas de Marx.

Em todos os casos significativos, com exceção da Comuna de Paris, na segunda metade do século XIX - talvez o primeiro movimento inspirado pelas ideias de Marx - foi apenas uma revolta contra um poder opressor e, na falta de outro tipo de liderança, acabou embarcando na aventura socialista sem ter a menor noção do que esse sistema era de fato.

O mais notável é, sem dúvida, o da Rússia, que depois constituiu a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Esse, sem dúvida, o mais atrapalhado de todos, com uma sucessão de ideologias muito mais pessoais do que coletivas, com Lênin, Trotsky e Stalin se digladiando entre si para tomar a liderança do processo.

Ali, sem nenhuma das pré-condições estabelecidas por Marx, um país atrasado, agrícola, sem inserção expressiva no mundo capitalista, oprimido por uma realeza corrupta e incompetente, propiciou as condições para uma revolta popular, não pelo socialismo, mas contra o czarismo.

O oportunismo dessas lideranças jogou uma parcela significativa da população mundial, cerca de 5%, em um processo extremamente doloroso que, como era fácil, prever, desmoronou no início dos anos 90.

A China, depois de milênios de um regime imperial imperfeito, mas capaz de manter certa harmonia e permitir o desenvolvimento de uma das culturas mais ricas do planeta, passou por várias crises, culminando com as invasões japonesas, que aliás sempre foi o seu inimigo natural. Esse foi, em dúvida, o período mais trágico da sua história.

Após a libertação do jugo japonês, com os americanos apoiando Chiang Kai Shek e o seu Kuomintang, esse regime não conseguiu estabelecer um mínimo de harmonia, estendendo a crise por várias décadas da primeira metade do século XX.

Exatamente da mesma forma que na Rússia, Mao Tsé Tung se aproveitou da revolta popular contra a opressão de um governo totalitário e, ainda que sem respeitar nenhuma das premissas de Marx, implantou o socialismo na China - é bom frisar que quando se fala em comunismo em relação a essas experiências comete-se um erro, na verdade esses regimes nunca passaram da fase socialista, sendo o comunismo o estágio final do processo, quando a propriedade privada é totalmente extinta, esse estágio nunca foi experimentado no mundo.

Neste caso, depois da revolução que provocou grande prejuízo ao patrimônio cultural da China, Deng Xiaoping começou uma série de reformas que resultou em um sistema único no mundo, a coexistência do socialismo com o capitalismo, construindo a segunda maior economia do planeta. Neste caso, parece que negócio da China, só na China!

Em Cuba, Vietnam e Coréia deu-se o mesmo processo, uma revolta contra um poder opressor sendo aproveitada por oportunistas de ideologia enviesada, nem marxistas, nem anarquistas, apenas golpistas.

No Brasil, guardadas as devidas proporções - afinal nossas “revoluções” são sempre menos radicais do que no resto do mundo -, o socialismo, que já havia feito suas tentativas frustradas na primeira metade do século XX, com a Coluna Prestes e a Intentona Comunista, renasceu após a ditadura militar como um polo de aglutinação de todos os descontentes com a repressão.

Resumindo, podemos dizer que o marxismo está superado pela evolução das ciências econômicas e que o dilema em que vivemos é desenvolvimento x sustentabilidade.

Aqui uso a expressão sustentabilidade com uma abrangência bem maior do que da que tem sido empregada.

Considero que uma economia sustentável, além de preservar os recursos naturais e promover uma convivência harmoniosa entre o ser humano e a natureza, deve promover a estabilidade social. Isso não significa acabar com as mazelas de todas as sociedades humanas, que são fruto dos vícios a que todos nós estamos sujeitos, mas criar mecanismos fiscais de distribuição de renda e preservação de uma rede de proteção social capaz de garantir um nível de vida digno a todos os cidadãos de bem.

A partir dessa conclusão, podemos dividir o pensamento político-econômico do mundo atual em duas correntes:
RIR - Realização Interpessoal da Riqueza
Uma visão mais científica da política, que usa o bom senso e a lógica para entender os processos econômicos e políticos.
DOR - Distribuição Obrigatória dos Resultados
A visão que englobaria todas as ideologias baseadas na ideia do fim do mercado, erro já cientificamente aceito e que deve ser descartado como curandeirismo ou qualquer outro tipo de charlatanismo.

Bem, então como fica o discurso da alternância?

Quando defendo a alternância de poder, obviamente não me refiro à possibilidade de levar a esse poder grupos com ideologias falsas ou que busquem a hegemonia política, até porque eles não aceitam a alternância.

A alternância a que me refiro é em relação a desenvolvimento e distribuição ou, mais abrangentemente, desenvolvimento e sustentabilidade, embora o principal motivo seja a necessidade de evitar um poder hegemônico governando por períodos longos demais, o que provoca a deterioração administrativa e até moral do Estado.

Entretanto, já que a teoria econômica não resolveu de forma satisfatória a questão desenvolvimento com sustentabilidade, podemos propor, usando a metáfora criada por Joseph Campbell, uma divisão das ideologias em Brancos, que seriam os desenvolvimentistas e Vermelhos, os conservacionistas.

Após um período de desenvolvimento, com as inevitáveis perdas em distribuição e conservação, a população tenderia a ceder ao discurso dos distributivistas e conservacionistas, até porque haveria fundos suficientes para promover políticas nesse sentido.

Da mesma forma, após um período de distribuição e conservação, com a consequente perda de produtividade e alguma deterioração das finanças governamentais e do lucro das empresas, a população estaria mais propensa a levar ao poder pessoas que colocassem o trem nos trilhos novamente.










Quem rejeita esse tipo de solução acredita em fadas, o que definitivamente não é o meu caso!

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