11/08/2025

Circunstâncias II

Em Circunstâncias mencionei essa revolta crescente contra toda a ordem política global construída desde a II Guerra Mundial, e que isso parece ser um movimento sem volta.

Mencionei ainda que a cada dia vemos mais e mais pessoas, algumas bem próximas, apoiando o que para muitos de nós é uma verdadeira insanidade.

À medida que aumenta a tensão entre o presidente Trump e o governo brasileiro[i], percebo que o medo vem dominando cada vez mais corações e mentes e, mais do que isso, vamos perdendo nossas referências, construídas em décadas de formação.

O atual momento, ainda no início do segundo mandato do presidente Trump, se mostra como o auge dessa desconstrução, quando as entidades de representação internacional e as instituições em geral perderam sua característica de zona de segurança, de uma força acima das pessoas, capaz de aplacar os ânimos de quem descumprisse suas determinações.

Ora, o que nos faz agir como uma sociedade coesa é a confiança que, nas sociedades atuais, gigantescas e complexas, se concentra exatamente nessas instituições.

A democracia, ainda que apenas uma ideia, já que os regimes existentes têm muitas imperfeições, nos tem dado pelo menos a sensação de segurança, a tranquilidade de que teremos sempre algum foro em que poderemos confiar para dirimir quaisquer contendas.

À medida que as ações das maiores lideranças do mundo desafiam todos os conceitos que vinham sendo consolidados desde 1945, essa segurança/confiança desmorona.

Eu sempre disse que a única cola que une uma sociedade é a confiança, quando ela está abalada os indivíduos começam a agir movidos pelo sentimento de autopreservação, além de ficarem cada vez mais sujeitos ao efeito de manada.

A sensação de que, de repente, não teremos a quem recorrer, que estamos sendo jogados sós em uma selva para a qual nunca fomos preparados, vai nos tornando presas fáceis para falsos líderes, políticos ou religiosos, podendo ser tanto visionários inconsequentes, como, mais provável, oportunistas buscando vantagens para si e para seus grupos de interesse.

É o momento em que safardanas se tornam crentes e alienados se tornam virulentos defensores de ideologias que nem sequer entendem.

Toda sociedade tem sua parcela de marginalidade, que não é nada mais do que a parte da população que, por algum motivo, não se considera representada pelas instituições oficiais, preferindo correr os riscos da ilegalidade a se submeter à ordem instituída.

As atuais circunstâncias estão tornando cada vez mais pessoas revoltadas com o status quo e, nesse sentido, sentindo-se marginalizadas e dispostas a tudo para retomar o que acham que será o controle e a ordem.

Essa é a receita para o caos, resultando em eventos como o 06/01/2021[ii], o 08/01/2023[iii], as 30 horas entre 05 e 06/08/2025[iv], todos resultados de uma fermentação gradual da percepção de que as instituições estariam falidas e não teriam mais o poder de coibir esses movimentos.

Como isso vai evoluir é impossível prever, uma vez que o comportamento das massas afetado por esse aumento contínuo da quantidade de pessoas desalentadas e de lideranças erráticas e desprovidas de bases conceituais sólidas, ambos são imprevisíveis, entretanto, é de se esperar que essa turbulência não perdure por muito tempo, exatamente por sua carência de lógica, embora possa causar considerável destruição durante o período de transição.


Todo problema ruma para uma solução, com ou sem a nossa ajuda, a questão é que nem sempre essa solução nos agrada.

Você está satisfeito com as soluções que seus problemas têm encontrado?



[i] Vale um comentário sobre a atuação do Lula nesse processo. Considerando que do outro lado temos uma pessoa inconsequente com o maior arsenal do planeta e, pelo menos aparentemente, sem freios internos para regular suas decisões, me parece que o Lula, ainda que a defesa da soberania nacional seja inegociável, está inflamando o discurso além do razoável, mais para auto promoção do que no rumo de alguma solução.

[ii] O ataque ao Capitólio dos Estados Unidos ocorreu em 6 de janeiro de 2021, pelos partidários do então presidente Donald Trump por ele convocados a se reunirem em Washington, D.C. para protestar contra o resultado da eleição presidencial de 2020.

[iii] O dia 8 de janeiro de 2023 foi marcado por ataques às sedes dos Três Poderes em Brasília. Manifestantes invadiram e depredaram o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal.

[iv] Parlamentares do PL e de outros partidos de oposição ocuparam a Mesa do Plenário Ulysses Guimarães, exigindo atendimento a suas pautas, principalmente em defesa do ex-presidente Bolsonaro e seus apoiadores.


 

04/08/2025

Circunstâncias

Ao tomar conhecimento de alguma atitude ou comportamento reprovável, ou que julgamos reprovável, é normal adotarmos uma postura crítica, quando chegamos a julgar o autor da tal atitude ou comportamento.

Nessas ocasiões é importante exercitar nossa autocrítica, tentando nos colocar na situação apresentada e tentar analisar como reagiríamos em condições semelhantes.

Essa postura, se praticada com honestidade, poderia evitar muitos dos conflitos que percebemos nos últimos tempos, principalmente quando o tema é política.

É claro que as circunstâncias influenciam e podem até determinar o comportamento.

Cada um de nós tem um limite para começar a relevar princípios e códigos morais. Basta imaginar como nos comportaríamos em situações extremas, como as de guerras, extrema pobreza, doenças extremamente debilitantes etc.

É claro que, ao fazer isso sempre tenderemos a acreditar que manteríamos nossa fidelidade em qualquer circunstância, mas o fato é que só poderíamos ter certeza disso se experimentássemos a situação proposta. A capacidade de aceitar essa dúvida é que vai determinar qual será a nossa capacidade de tolerância em relação ao outro.

A discussão mais reverberante dos últimos dias é a relativa às sanções do ditador americano[ii] - duas palavras que a gente nunca imaginou juntas - aplicou ao nosso país, causando justificada indignação a todos nós.

Além disso, vemos uma parcela da população, muitos próximos a nós, apoiando toda essa insanidade, inclusive participando de manifestações públicas. Isso faz pensar!

Nessa tentativa de buscar as razões por trás de toda essa loucura, logo de cara percebi que não são razões, mas emoções.

Muito já discutimos sobre essa revolta crescente contra toda a ordem política mundial construída desde a II Guerra Mundial, isso parece ser um movimento sem volta, ou seja vamos até algum fundo de poço, para só então começarmos uma reconstrução, espero que não só com paus e pedras.

Isto posto, quero fazer um comentário sobre as atitudes do nosso governo e do Xandão, como eles gostam de chamar.

Era claro que os Estados Unidos, vendo seu declínio avançar inexoravelmente, aliás iniciado na década de 80 do século passado, quando houve a invasão comercial dos automóveis japoneses no mercado norte-americano, não iriam assistir impassíveis a sua queda. Isso associado à revolta latente na população mundial, não apenas nas terras do tio Sam, resultou no fenômeno Trump, que como está claro é absolutamente inconsequente, agindo por puro impulso.

Vamos lembrar que esse Titã econômico também é a maior potência tecnológica e militar, além de ter um perfil altamente bélico e dominador - não nos esqueçamos de 64, mesmo sob o governo do democrata Lyndon Johnson.

Ora, todos os fatos que elenquei acima eram de conhecimento público, fazendo parte não só de discussões de alto nível, tendo resultado em alguns prêmios Nobel - alguns dos livros que li recentemente são desses premiados - como até de animados debates de botequim.

Ainda assim, aceitamos entrar em um bloco cujo propósito básico é se contrapor aos Estados Unidos, propondo inclusive a criação de uma moeda para fazer frente ao dólar, além disso manifestamos apoio à Venezuela e ao Irã.

Por outro lado o STF anulou todas as ações da Lavajato, condenando inclusive o Juiz Sérgio Moro, visto mundialmente como o paladino da justiça, que havia colocado um ex-presidente na cadeia.

Como ato final, libertou e reabilitou o Lula.

Quanto ao Xandão, este avançou com a Constituição debaixo do braço usando todo o rigor da lei contra os insurgentes golpistas, incluindo nosso filhote de Trump, o Bolsonaro.

Lembram-se que falei que não são as razões, mas as emoções que comandam as sociedades, pois é, a partir dessa constatação fui resgatar memórias do passado, tempos de Ulysses - não o da Odisséia de Homero, mas o da Constituição de 88 - quando era do senso comum que certas coisas não se aplicam a políticos, mormente quando têm apoio popular.

Na época achava esses políticos um bando de picaretas, falsos e enganadores, agora fico pensando, será que eram sábios? 


[i] Seja fiel, mas honesto!

[ii] "O homem do castelo alto" e "O conto da Aia" alertaram para esse fenômeno


Estaria a sabedoria na razão direta da emoção?